A chama acesa do coronavírus: a relação entre a pandemia de covid-19 e a epidemia do tabagismo

21.03.20


Estadão, por Renata Domingues Balbino Munhoz Soares

Qual a relação entre o coronavírus e o tabagismo? Declarado pela OMS como epidemia global, o tabagismo é uma doença que já matou 100 milhões de pessoas no mundo no século 20 (mata mais de 7 milhões de pessoas todos os anos). Já o coronavírus, declarado como pandemia em 2020, com quase 168 mil casos, registrou mais de 6 mil mortes em poucos meses.

Em razão da preocupação global com a epidemia do tabagismo, a OMS aprovou o Primeiro Tratado Internacional de Saúde Pública – A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, em 2005, com a adesão de mais de 180 países. Políticas públicas tem sido desenvolvidas em várias nações para conter tal epidemia, dentre elas, a adoção de legislação de combate ao fumo, de embalagens padronizadas de cigarros, de proibição de publicidade e patrocínio, proibição da comercialização de cigarros eletrônicos, aumento de impostos, dentre outras.

Relatório da OMS sobre tabaco destaca atuação brasileira: “O Brasil é um dos primeiros países do mundo a alcançar o mais alto nível das seis medidas MPOWER de controle do tabaco, ou seja, M = monitor tobacco use and prevention policies (monitoramento do consumo de tabaco e das políticas de prevenção); P = protect people from tobacco smoke (proteção das pessoas da fumaça do tabaco); O = Offer help to quit tobacco use (oferecer ajuda para deixar o consumo de tabaco); W = Warn about the dangers of tobacco (advertir sobre os perigos do tabaco); E = Enforce bans on tobacco advertising, promotion and sponsonship (aplicar as proibições da publicidade, promoção e patrocínio do tabaco); R = Raise taxes on tobacco (elevar impostos sobre o tabaco).  

Isto significa conseguir implementar as melhores práticas no cumprimento das estratégias preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Desde que começou a monitorar o uso do tabaco, em 2006, o Brasil reduziu seu número de fumantes em 40%, de 15,7% para 9,3% da população.”

O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em sessão extraordinária da Comissão Geral da Câmara dos Deputados, sobre a Pandemia por Coronavírus, afirmou que embora no Brasil a prevalência do fumo tenha sido reduzida após a implementação de muitas dessas medidas, na China e na Europa, o índice de tabagista aumentou nos últimos tempos.

Será que o elogiado programa de controle do tabagismo brasileiro deverá ser um diferencial na mortalidade pelo coronavírus no país, se comparado com países como a China e a Itália? 

Para o Centro de Apoio ao Tabagista, organização da sociedade civil carioca, cujos membros estudam o tema tabaco há décadas e trabalham com o foco no controle do tabagismo, “segundo diversos estudos recentes, o tabagismo é de longe o principal fator de risco para os casos complicados e óbitos chineses por covid-19. Alguns deles falam em risco 14 vezes maior. A cada dia que passa, temos a certeza de que combater todas as formas de combater o uso de tabaco e a dependência química em nicotina foi uma sábia escolha, tomada há décadas, da Saúde Pública brasileira.”

No entanto, em recente artigo, a Knowlegde Hub for Waterpipe Tobacco Smoking, com escritório regional na Universidade Americana de Beirute, Faculdade de Medicina de Beirute, Líbano, publicou pesquisa sobre o aumento do risco de infecção por covid-19 entre fumantes e entre usuários de narguilé.  Entre suas conclusões estão: “fumar aumenta o risco de infecções bacterianas e virais, e os fumantes têm um risco de 2 a 4 vezes maior de doença pulmonar pneumocócica invasiva, uma doença associada à alta mortalidade. O risco de influenza é duas vezes maior e mais grave em fumantes, em comparação com não fumantes.” 

Eles ressaltam que “ainda não há evidências robustas para sugerir um risco aumentado de infecção entre fumantes; no entanto, a análise das mortes por coronavírus na China mostra que os homens têm maior probabilidade de morrer do que as mulheres, algo que pode estar relacionado ao fato de muitos homens chineses fumarem mais do que as mulheres. Entre os pacientes chineses diagnosticados com pneumonia associada ao covid-19, as chances de progressão da doença (inclusive até a morte) foram 14 vezes maiores entre as pessoas com histórico de tabagismo em comparação com as que não fumavam. Esse foi o fator de risco mais forte entre os examinados.”

O uso do narguilé, tema da campanha do Dia Nacional de Combate ao Fumo de 2019, foi objeto de estudo cuja conclusão ressalta que “possui uma característica peculiar: um único cachimbo pode ser usado por várias pessoas simultaneamente. Tal fato reforça o aspecto da socialização do cachimbo, algo muito atraente, especialmente para os jovens, o que é corroborado com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Manual de Orientações Dia Nacional de Combate ao Fumo 2019.”

Nota-se que o narguilé é uma forma de tabagismo praticado em grupos. A mangueira é passada de pessoa para pessoa, e o mesmo bocal é geralmente usado por todos os participantes. 

Segundo o site da Knowledge Hub for Waterpipe Tobacco Smoking, “mesmo que o tubo e o bocal sejam utilizados apenas por um cliente de cada vez, deve-se observar que os canos de água e mangueira são geralmente reutilizados por outros clientes de fumo no mesmo dia, o que pode ser prejudicial à saúde, por contaminação com microrganismos infecciosos. O risco de transmissão de agentes microbianos infecciosos através de cachimbos de água é alto”. Neste sentido, algumas medidas foram tomadas por países da região do Mediterrâneo oriental, Irã, Kuwait, Paquistão, Catar e Arábia Saudita, como a proibição do uso de shisha (ou narguilé) em locais públicos, em vista do risco potencial de infecção por covid-19.

Por fim, tema de muitas discussões no Brasil e nos EUA, o cigarro eletrônico também é fonte de doenças pulmonares. De acordo com reportagem do VivaBem (UOL), “a doença pulmonar relacionada ao uso do cigarro eletrônico ganhou um nome: Evali, uma sigla em inglês para “lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico” ou vaping. A denominação foi dada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês)”.

Estudo publicado pelo periódico Thorax revelou que “o vapor desses cigarros eletrônicos pode ser responsável por desativar as principais células do sistema imunológico no pulmão e aumentar as inflamações no organismo.” 

Assim, conhecendo um dos fatos que pode causar o aumento da chama recém acesa do coronavírus no mundo e no Brasil, resta-nos continuar no caminho das medidas de redução do tabagismo e coibir as novas modalidades de propagação do vício entre jovens e novos fumantes, como o cigarro eletrônico, o narguilé ou qualquer outro dispositivo que aumente os riscos de doenças crônicas e a mortalidade.

 

*Renata Domingues Balbino Munhoz Soares é advogada, professora e coordenadora do Grupo de Estudo “Direito e Tabaco” da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É doutora em Direito Político e Econômico e autora do livro Direito e Tabaco, Prevenção Reparação e Decisão

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-chama-acesa-do-coronavirus-a-relacao-entre-a-pandemia-de-covid-19-e-a-epidemia-do-tabagismo/




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