Cigarro da moda nos EUA, Juul é vendido ilegalmente via delivery no Brasil

23.06.19


Thaiza Pauluze, Folha de São Paulo

Após virar moda entre adolescentes e dor de cabeça para a agência reguladora dos EUA, o cigarro eletrônico Juul chega ao Brasil com estratégias que parecem copiar as que fazem sucesso lá fora: publicações em redes sociais, divulgação via influenciadores digitais e estandes em festivais e baladas.

Por aqui, no entanto, são proibidas a comercialização, importação e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar. A fabricante Juul Labs, que hoje controla 70% do mercado americano de vaporizadores, nega ter revendedores brasileiros.

Ainda assim, o modelo pode ser adquirido pelo Instagram, sem burocracias. São mais de 20 perfis que anunciam a venda do produto "100% original". As páginas divulgam que o produto pode chegar em uma semana se ele vier direto dos EUA via correios, mas há lojas virtuais com estoque e promessa de entrega em uma hora, via delivery. Um "starter kit", para os iniciantes, custa em torno de R$ 450. Na promoção, pode sair por R$ 250.

O dispositivo, assim como outras marcas de e-cig, está a dois cliques em sites conhecidos como os das Lojas Americanas, Submarino, Shoptime ou Mercado Livre. Foi nesse último que Augusto, 24, comprou seu primeiro Juul.

O estudante tinha o hábito de fumar um maço de cigarro por semana e também maconha. Trocou os dois pelo vapor, que ajuda a "quebrar a ansiedade no trabalho", diz o pernambucano que preferiu não divulgar o sobrenome. Agora, ele compra pelo WhatsApp os "pods" — cartuchos com recargas de líquido contendo nicotina, que podem ter sabores como manga, menta, creme, pepino e custam em torno de R$ 160 a caixinha, com quatro.

Em Pernambuco, na última virada de ano na festa Réveillon Carneiros, o Juul podia ser comprado tanto em uma loja quanto por meio de vendedores ambulantes. A lixeira do evento ganhou uma nova versão: "bitucas e pods". Estandes e promoters também têm divulgado e vendido o dispositivo em festas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Influenciadores digitais, como o funkeiro MC Kevin O Chris, dono do hit “Vamos Pra Gaiola”, e a produtora de eventos Carol Sampaio, já postaram fotos no Instagram com o produto.

Para Adriana Carvalho, diretora jurídica da ONG ACT Promoção da Saúde (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), hoje o número de brasileiros que usam esse tipo de cigarro é pequeno — embora não haja estudo sobre a prevalência do e-cig no país — mas o marketing em torno do Juul pode pôr abaixo os esforços que fizeram despencar a população fumante nos últimos anos.

“É uma propaganda sofisticada, sorrateira, com forte apelo ao público jovem, porque tem sabores, cores, é tecnológico, cabe na mão facilmente”, afirma Carvalho.

A estratégia, diz ela, já foi usada antes pela indústria. "Nos anos 1960, as empresas diziam que o cigarro ‘light’ era mais saudável e podia ser consumido, o que se revelou uma falácia. Esse também não é inofensivo porque tem nicotina, que causa dependência”, diz.

O fenômeno Juul, surgido em 2015 nos EUA, sacudiu o setor. Entre os adolescentes norte-americanos, o uso do produto aumentou 75% de 2017 para o ano passado, de acordo com a National Youth Tobacco Survey.

Pressionada, a empresa desativou os perfis nas redes sociais e reeditou seu discurso. Passou a dizer que o foco dos produtos é ajudar adultos que querem parar de fumar os cigarros que queimam alcatrão —mesma narrativa encampada por outras grandes do setor, defensoras de que o cigarro eletrônico tem menos riscos para a saúde.

Este ano foi a primeira vez em que a Juul Labs montou um expositor no Fórum Global sobre Nicotina, que aconteceu na semana passada, em Varsóvia, na Polônia. O evento reúne a indústria, pesquisadores e consumidores de cerca de 30 países.

A presença da Juul Labs causou desconforto nas fabricantes tradicionais, que buscam se descolar da polêmica, como a BAT (British American Tobacco), que controla a Souza Cruz, e produz marcas como Lucky Strike e Dunhill, e a PMI (Philip Morris International), dona da Marlboro.

A primeira tem no mercado três tipos diferentes de cigarro eletrônico: Vype, ePen3 e iSwitch. Vendidos em ao menos 14 países, não são encontrados facilmente no Brasil, nem mesmo na internet. O diretor científico da empresa, Chris Proctor, critica a venda ilegal de Juul. "Nós não faríamos isso. Nunca promoveríamos algum produto que não estamos autorizados a vender”, afirmou à Folha.

Ele aposta no lobby pela legalização. “Fui algumas vezes ao Brasil conversar com a Anvisa, apresentar evidências científicas [de que os produtos causam menos danos]”, disse Proctor.

O cigarro eletrônico está na agenda regulatória da Anvisa, que marcou para agosto uma audiência pública sobre o tema.

Da Philip Morris, o único vaporizador é o Mesh, vendido apenas no Reino Unido. A principal aposta da empresa é o IQOS —também um cigarro eletrônico, mas outro tipo, de tabaco aquecido.

Moira Gilchrist, vice-presidente de comunicações científicas e públicas da PMI, diz tomar um “cuidado extra” para que não haja venda ilegal ou para jovens e não fumantes. Ela também tem investido em discutir com a agência regulatória brasileira.

“Desde o início da comercialização nós temos uma grande responsabilidade em comunicar que nossos produtos são voltados apenas para adultos que desejam parar de fumar e nos certificamos que não está chegando na audiência errada”, diz  Gilchrist.

Representantes da Juul no fórum disseram saber da entrada do produto ilegalmente no Brasil, mas afirmam que não é o original, já que não têm revendedores na América Latina.

“Contas que você pode ver no Instagram, no Twitter, no Youtube, não são geridas pela Juul. Algumas são pessoas comuns, outras são vendedores fingindo que são representantes da empresa, mas definitivamente não são”, afirma Erik Augustson, diretor de comportamento da fabricante.

Segundo o executivo, a empresa tem um departamento que recebe denúncias de casos do tipo, mas não dá conta de impedir o uso da marca. “Fazemos todos os esforços possíveis, mas são muitas pessoas e não conseguimos olhar para cada uma”, diz.

A Anvisa também afirma ter uma equipe que monitora os anúncios irregulares. Entre 2017 e 2019, a agência retirou da internet 727 anúncios de cigarros eletrônicos. Esse tipo de propaganda e venda ilegal tem penalidades que vão desde advertência e apreensão do produto até multa, que varia de R$ 2.000 a R$ 1,5 milhão.

OUTRO LADO

Em nota, a B2W Digital, companhia que reúne as marcas Lojas Americanas, Submarino e Shoptime, afirmou que é apenas uma plataforma, na qual vários vendedores entregam produtos diretamente aos clientes, mas que, quando identifica desconformidade, retira os itens do site e descredencia o vendedor. 

O Mercado Livre afirmou, também em nota, que os termos de uso da plataforma proíbem a venda de produtos não autorizados pelos órgãos reguladores. A empresa disse manter parceria com a Anvisa para identificar e combater anúncios do tipo, que podem gerar bloqueio de cadastro. 

Procuradas, a festa Réveillon Carneiros, o funkeiro MC Kevin O Chris e a produtora de eventos Carol Sampaio não responderam até a publicação desta reportagem.

A jornalista Thaiza Pauluze viajou a convite da Philip Morris.  

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/06/cigarro-da-moda-nos-eua-juul-e-vendido-ilegalmente-via-delivery-no-brasil.shtml




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