Fome e obesidade, prioridades no cardápio político

13.10.18


O Globo - José Graziano da Silva

Alimentação adequada precisa estar no centro das políticas públicas

Lembrei-me de Betinho, saudoso amigo e companheiro de muitas jornadas, ao recordar que a próxima edição do Natal Sem Fome começará amanhã, pelo segundo ano consecutivo após seu relançamento, em 2017.

A campanha lançada pela ONG Ação da Cidadania, liderada por Daniel, filho de Betinho, que a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) muito se orgulha de apoiar, reflete uma preocupação com a qual me associo: o alerta de que a fome poderá voltar a fazer parte da vida dos brasileiros no futuro, talvez bem próximo, se nada for feito para impedi-lo.

Conforme sabemos, a fome é uma questão historicamente muito importante no Brasil, como mostrou Josué de Castro. Nas últimas décadas, os avanços sociais fizeram com que ela pudesse ser praticamente erradicada no país.

No entanto, o aumento do desemprego e a redução da renda, atestados pelas últimas pesquisas do IBGE, mostram que a pobreza extrema bate novamente à porta dos brasileiros. De acordo com o IBGE, sete milhões de pessoas vivem sem nenhuma forma de rendimento e não se beneficiam de nenhum dos programas públicos de transferência de renda, como o Bolsa Família e a aposentadoria rural.

Como se sabe, a pobreza extrema e a fome são indissociáveis. Essa conexão é simbólica para as Nações Unidas, que escolheram o primeiro e o segundo de seus objetivos do desenvolvimento sustentável para erradicar, respectivamente, a pobreza e a fome.

Por essas razões, apesar de a FAO ainda não computar o aumento da fome no Brasil, as evidências mostram o quão urgente é necessária a ação pública para evitar que ela reapareça no cotidiano nacional. Organizações não governamentais e suas campanhas, como o Natal Sem Fome, contribuem para reforçar nossa vigilância coletiva para que o flagelo não volte a impedir a vida das populações mais vulneráveis. Para que isso não aconteça, o próximo presidente deverá ter a sensibilidade para enxergar o crescimento sustentável e o incremento de políticas sociais como únicas soluções possíveis para estancar o reempobrecimento do país.

As profundas desigualdades do Brasil também se refletem à mesa dos brasileiros — enquanto alguns convivem novamente com a incerteza do que comer, muitos outros lutam contra o que a FAO já classifica como uma verdadeira epidemia dos tempos modernos: a obesidade.

Fome e obesidade parecem estar diametralmente opostos, mas, na verdade, são duas formas de má nutrição conectadas com o mesmo diagnóstico: a falta de uma alimentação adequada. Segundo dados recentes da FAO e da Organização Pan-Americana de Saúde, o sobrepeso afeta 54% da população brasileira, e quase 20% dos homens e 24% das mulheres estão obesas. Ou seja, um de cada cinco brasileiros e um de cada quatro brasileiras estão obesas. Entre as crianças menores de 5 anos, 7,3% registram sobrepeso. A obesidade está presente indistintamente em homens e mulheres,crianças e idosos, ricos e pobres.

As duas formas de má nutrição — fome e obesidade — corroem uma sociedade. Por isso, atenção prioritária tem de ser dirigida às crianças, porque a má nutrição até os 5 anos compromete o desenvolvimento motor e intelectual no futuro. É alarmante o recente estudo do Unicef, que atestou o aumento da mortalidade infantil no Brasil em 2016 após mais de 25 anos de queda. Precisamos entender e saber enfrentar a gravidade desses índices. A alimentação adequada precisa estar no centro das políticas públicas do Brasil se queremos garantir um futuro melhor.

Encerro citando uma célebre frase de Betinho, que nos deixou prematuramente há mais de 20 anos: “O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade”. Com ela, parece profetizar o que os brasileiros mais precisam pôr em jogo ao escolherem seu próximo governante no próximo dia 27.

José Graziano da Silva é diretor-geral da FAO

https://oglobo.globo.com/opiniao/fome-obesidade-prioridades-no-cardapio-politico-23151680




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