Liberação de cigarros eletrônicos no Brasil é debatida na Anvisa

09.08.19


Johanns Eller, O Globo

RIO — A discussão sobre a regulamentação de cigarros eletrônicos no Brasil avançou mais um capítulo nesta quinta-feira, em Brasília. Uma audiência pública promovida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reuniu representantes da indústria tabagista, setores da saúde e membros da sociedade civil para discutir a eventual liberação dos produtos, proibidos desde 2009 pelo órgão. O evento faz parte do calendário da Anvisa, que deve bater o martelo até dezembro.

Como mostrou o GLOBO em julho, a liberação está longe de ser um consenso. A indústria sustenta que os cigarros eletrônicos são uma saída menos perigosa para fumantes com dificuldades para abandonar o vício. Além disso, defendem que o Brasil regulamente os produtos por uma questão de segurança, já que hoje são comercializados ilegalmente no país. Médicos, por outro lado, alertam que não há embasamento científico suficiente e que a introdução de opções modernas podem aumentar a inclusão dos jovens na parcela tabagista do país.

Cristopher Proctor, diretor científico de produtos de risco potencialmente reduzido do grupo British American Tobacco (BAT) e representante da Souza Cruz na audiência em Brasília, avaliou, em entrevista ao GLOBO, que a Anvisa tem a possibilidade de fazer um trabalho mais sofisticado do que o da Food and Drugs Agency (FDA), agência do governo dos Estados Unidos equivalente à brasileira, que liberou a venda dos cigarros eletrônicos, mas sem regulá-los.

— Isso inclui não apenas saber quais produtos devem ser autorizados no mercado e quais devem ser os padrões, mas também quais devem ser as regulações. Além de garantir que há proteções para menores de idade e deixar bem claro que deve ser usado apenas para adultos, determinar exatamente o que pode ser vendido — pontua Proctor.

A audiência ocorre um dia após a FDA anunciar uma investigação oficial sobre 137 casos de acidente vascular cerebral (AVC) que estariam relacionados ao uso de vaporizadores, além de relatos de infartos e tremores. Em abril, a agência já havia alertado sobre o registro de ocorrências de derrames entre usuários, especialmente entre os mais jovens.  

Em setembro do ano passado, a FDA reconheceu que o consumo dos produtos pelos jovens se tornara uma epidemia no país. Além disso, no último domingo, autoridades de saúde dos estados americanos de Wisconsin e Illinois, no Norte do país, revelaram que 14 jovens estão hospitalizados em decorrência do uso de vaporizadores.

Debate esquenta entre indústria e médicos

Proctor afirma, a partir da experiência no Reino Unido, que a diferença na emissão de elementos tóxicos de produtos da BAT ultrapassa a casa dos 90%. Assim, os cigarros eletrônicos seriam direcionados para o público já fumante, que poderia abandonar o cigarro tradicional, com propriedades cancerígenas, e produtos capazes de desenvolver doenças cardiovasculares, entre outros malefícios.  

— Ainda os qualificamos de “potencialmente de risco reduzido”, não fomos ao ponto de dizer que “sabemos que eles são seguros”, pois ainda há trabalho a ser feito em estudos químicos de longo prazo — pondera o diretor da BAT. — Estamos muito confortáveis em afirmar que esses produtos podem reduzir danos.  

O diretor-executivo da Fundação do Câncer, Luiz Augusto Maltoni Jr., que esteve na audiência pública no Distrito Federal,  rebate os pontos defendidos pela indústria do tabaco. 

—  São argumentos muito pouco consistentes sob o ponto de vista científico na questão da redução dos danos. Sabemos que há mais de 400 tipos de cigarros eletrônicos, com milhares de sabores e aromas diferentes. Não há hoje estudos suficientes que de fato comprovem (essa segurança) — argumenta Maltoni. — E já há regulamentação no Brasil. Ela determina que a venda é proibida 

Para o médico, ainda que substâncias tóxicas se provem reduzidas, os cigarros eletrônicos contêm nicotina, o principal agente da dependência, que atua diretamente no sistema nervoso central. Ele também rechaça a tese de que eles possam ajudar fumantes a abandonar o vício nos cigarros tradicionais, alegando que não há evidências científicas.  

— Com prevalência da diminuição do número de consumidores de cigarro, a indústria está tentando apresentar um produto para recuperar as vendas perdidas com apelo moderno, eletrônico, que atinge sobretudo a população jovem. É um apelo à geração de jovens que conseguimos ver livres do tabaco — diz o diretor-executivo da Fundação do Câncer.

Cai número de fumantes

Após uma série de políticas públicas de combate ao tabagismo, o Brasil viu o número de fumantes cair de 35%, na década de 1990, para o patamar atual, de 9,3%. Dos 171 países que se comprometeram a controlar o tabaco, apenas Brasil e Turquia se sobressaíram, no último relatório divulgado pela OMS, na semana passada. 

Apesar da queda expressiva, cerca de 20 milhões de brasileiros seguem fiéis ao cigarro. A indústria defende que essa estatística demanda um meio termo para aqueles que encontram dificuldades. Carlos Galant, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo, vê a audiência pública da Anvisa como uma oportunidade de explorar estes pontos:

— Há necessidade do aprofundamento dos debates tidos hoje, com dados científicos bem estabelecidos e de forma eficiente para que o Brasil não fique para trás neste tem. É louvável o espaço aberto pela Anvisa, mas é importante que haja mais debate sobre evidências científicas. 

O Rio sediará uma segunda audiência pública da Anvisa sobre o tema, no dia 27 deste mês, a pedido das partes interessadas. As discussões embasarão um relatório a ser estudado pela agência antes da deliberação. Uma proposta de texto normativo será, então, apresentada para destaques dos setores favoráveis e contrários. Depois disso, a Anvisa decidirá se revisará ou não o Relatório da Diretoria Colegiada (RDC) de número 46, que regulamentou a proibição dos cigarros eletrônicos há dez anos.

 

https://oglobo.globo.com/sociedade/liberacao-de-cigarros-eletronicos-no-brasil-debatida-na-anvisa-23864547




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