Lições aprendidas com as relações entre a saúde pública e a indústria de alimentos e bebidas

19.01.18


UK Health Forum

Na semana que vem, a direção executiva da Organização Mundial da Saúde (OMS) discutirá o rascunho de um documento (confira aqui) para contribuir com a interação entre os países e o setor industrial em programas de nutrição. Essas discussões se seguem a diversos pedidos para que as pessoas que trabalham com saúde pública interajam com a indústria de alimentos e bebidas para enfrentar as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Estima-se que 70% de todas as mortes que acontecem no mundo sejam atribuíveis às DCNTs, e esse fardo está crescendo rapidamente. Três quartos dessas mortes - 31 milhões - ocorrem em países de rendas média ou baixa todos os anos. Corporações, incluindo empresas que fabricam alimentos e bebidas não saudáveis e ultraprocessados, estão sendo consideradas cada vez mais como parte da solução. Como as pessoas que trabalham com saúde pública, elas também participam de várias formas na construção de políticas e programas para enfrentar DCNTs relacionadas com a nutrição, mas a maneira como isso acontece recebe uma atenção surpreendentemente limitada e há uma escassez de estudos que examinem experiências desse tipo para identificar lições que podem ser aplicadas em outras situações.

novo casebook do UK Health Forum, Public health and the food and drinks industry: the governance and ethics of interaction (“Saúde pública e a indústria de alimentos e bebidas: Gerenciamento e ética para interação”), analisa 12 experiências com relações público-privadas desse tipo em vários países, como Fiji, Brasil e Espanha. Os casos examinados focam nos desafios administrativos e éticos da interação com empresas que fabricam alimentos e bebidas não saudáveis e ultraprocessados e identificam lições aprendidas nos setores de pesquisa, políticas e práticas. Uma preocupação comum levantada foi como surgem conflitos de interesse no desenvolvimento de políticas relacionadas a DCNTs quando essas corporações  estão envolvidas e a insuficiência de mecanismos de gerenciamento para atenuá-los. Um dos casos, por exemplo, mostra como a indústria do álcool espanhola promoveu acordos de autorregulamentação e grandes parcerias com o governo para frear tentativas de aumentar a regulamentação das bebidas alcóolicas.

A necessidade desse casebook surgiu em um workshop realizado em 2015 - Improving governance for better health: strengthening the governance of diet and nutrition partnerships for the prevention of chronic diseases (“Melhorar a governança para melhorar a saúde: fortalecendo o gerenciamento de parcerias de dieta e nutrição para a prevenção de doenças crônicas”) - no Rockefeller Foundation Bellagio Conference Centre, na Itália. Ele complementa uma revisão bibliográfica de Oxford de evidências de parcerias público-privadas para DCNTs.

Frequentemente, a participação de empresas no enfrentamento das DCNTs é considerado muito positivo e não há uma análise crítica dos riscos. Há pouco monitoramento, documentação e mitigação de potenciais danos. Os casos enfatizam que poucas pessoas que trabalham com saúde pública - formuladores de políticas, pesquisadores e organizações não governamentais - têm as ferramentas, habilidades e recursos para identificar e atenuar os riscos da relação com os membros do setor corporativo. Isso fica evidente em nível nacional e global. Além disso, quatro comentários comparam os achados com experiências em nível regional e global.

Embora traga contextos variados, o casebook oferece lições-chave para os que trabalham com saúde pública. Dentre elas, incluem-se:

Aumentar a conscientização

1. Aumentar a conscientização sobre ações com fins lucrativos que as empresas tomam para influenciar as práticas, políticas e pesquisas de prevenção de DCNTs.

Corrigir desequilíbrios

1. Estabelecer mecanismos para assegurar a participação de grupos da sociedade civil e de outros grupos de interesse público na formulação de políticas, para balancear a abundância de interesses comerciais. Isso é particularmente importante em países de média e baixa rendas, mas também é relevante para países ricos.

2. Diferenciar os interesses de setores privados distintos - por exemplo, como os pequenos produtores de alimentos saudáveis e minimamente processados se diferenciam das empresas multinacionais de produtos ultraprocessados.

3. Esclarecer quem pode representar o setor privado na formulação de políticas de nutrição.

Melhorar a governança

1. Desenvolver ferramentas para gerenciamento e avaliação de riscos para ajudar membros do governo, organizações da sociedade civil e institutos de pesquisa a desenvolver políticas de nutrição eficazes.

2. Adotar estruturas administrativas e procedimentos éticos rigorosos para garantir que as relações entre os membros do setor industrial e da saúde pública sejam abertas, transparentes, responsáveis e livres de conflitos para proteger os interesses públicos. Existem exemplos de como isso poderia acontecer disponíveis.

3. Revisar e rever o paradigma de parcerias globais de saúde e desenvolvimento e os mecanismos para lidar com os determinantes comerciais relacionados à saúde com base em evidências.

Implementar pesquisas e monitoramento

1. Melhorar o monitoramento e compreensão global dos determinantes comerciais relacionados à saúde no contexto das DCNTs relacionadas à nutrição.

2. Revisar e monitorar mecanismos de governança da saúde pública para relações público-privadas para garantir que todos os atores possam prestar contas sobre sua atuação e atingir os objetivos planejados. Isso deve incluir pesquisas para avaliar consequências não intencionais que podem surgir dessas relações.

Resumidamente, o casebook é uma contribuição única para as discussões globais sobre os tipos de interação que acontecem entre os membros do setor da saúde pública e do setor corporativo na prevenção de DCNTs. Esperamos que ele aumente a conscientização e ajude a fortalecer governanças para evitar ou atenuar conflitos de interesse em diversos países. A longo prazo, isso pode incluir o fortalecimento da estrutura da OMS de relações com agentes não estatais para que as desvantagens da interação com as empresas de álcool e alimentos não saudáveis sejam mais explícitas, como acontece com a indústria do tabaco e de armas.

Autoras: Modi Mwatsama e Erica Di Ruggiero

Modi Mwatsama é diretora de Políticas e Saúde Pública no UK Health Forum e professora assistente honorária na London School of Hygiene and Tropical Medicine. Erica Di Ruggiero é diretora do Office of Global Public Health Education & Training, diretora da Collaborative Specialization in Global Health e professora assistente na divisão de Ciências da Saúde Comportamental e Social na Dalla Lana School of Public Health (Universidade de Toronto).

Contribuições adicionais foram feitas por: Zee Leung, International Development Research Centre; Greg Hallen, International Development Research Centre; Jeff Collin, Universidade de Edimburgo; Rima Afifi, Universidade Americana de Beirute e Universidade de Iowa.

http://globalhealth.thelancet.com/2018/01/19/lessons-interactions-between-public-health-and-food-and-drinks-industry




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