O “T” da questão: é preciso acesso à informação e liberdade de escolha

19.04.18


Le Monde: Diplomatique - Ana Paula Bortoletto, Marina Lacôrte e Paula Johns

Senadores contrários à transparência e à liberdade de escolha aprovaram na terça-feira, dia 17, na Comissão de Meio Ambiente (CMA), o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 34/2015 que determina a retirada do símbolo “T”, que identifica a presença de transgênicos nas embalagens dos produtos.

Esses mesmos senadores correm para que esse projeto seja votado no plenário do Senado para que assim o PLC siga para sanção do presidente Michel Temer, que já deixou claro que transparência não é uma de suas preocupações.

Aprovação sem legitimidade

Apesar de nove senadores terem marcado presença na reunião, o que em tese afirma que a comissão tinha número suficiente de parlamentares para realizar a votação – é preciso a metade mais um do quórum para que ela ocorra –, apenas dois estavam presentes quando o projeto foi aprovado.

Como no Senado vale esse tipo de coisa, o projeto foi considerado aprovado.

Agora, para piorar, o senador Cidinho Santos (PR/MT), que vem liderando as discussões contra os consumidores, e pela retirada do “T”, quer aprovar um “requerimento de urgência” no Plenário.

Caso isso ocorra, o PLC 34/2015, que ainda deveria ser analisado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), pode ir direto para votação no Plenário, ser aprovado, e ir para sanção de Temer.

 

Quem é Cidinho Santos

Cidinho é empresário do ramo da avicultura, dono do frigorífico União Avícola, e suplente do senador licenciado e atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP/MT), conhecido pela alcunha de “rei da soja”.

Blairo Maggi não concorrerá à reeleição ao Senado (seu mandato termina em 2018) e combinou com Temer que ficará até o fim de seu governo. Cidinho também foi beneficiado e deve permanecer senador até o final do ano com a missão de retirar o “T” das embalagens.

Conhecendo um pouco dos envolvidos, não precisaríamos de muito para dizer quais interesses estão sendo atendidos com a retirada do “T”. A preocupação desse senadores não é com o acesso do consumidor às informações e à sua liberdade de escolha. Mesmo assim é importante resgatarmos um pouco do histórico dessa discussão para saber com quem estamos lidando.

 

De onde surgiu o “T”

Em 2003, o governo brasileiro liberou pela primeira vez o plantio de soja transgênica no país. Ato contínuo, por pressão dos consumidores e movimentos sociais, foi criada a obrigação da identificação dos produtos que utilizam transgênicos. Nasce aí o alerta do “T”.

A preocupação com a inserção do símbolo “T” foi no sentido da garantia de informações aos consumidores, da soberania e segurança alimentar e nutricional, aliada às preocupações com as consequências ambientais, com a perda de biodiversidade, o uso intensivo de agrotóxicos e de possíveis riscos para a saúde.

Em 2008, ano em que o plantio de milho transgênico foi liberado, o deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS), conhecido ruralista e defensor do tabaco, apresentou o projeto que retira o “T”. A proposta sofreu brava resistência durante sete anos até que, em março de 2015, foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados.

 

Tramitação no Senado

No Senado, o PLC 34/2015 foi aprovado por duas comissões e rejeitado por outras duas. E mesmo que seja rejeitado pela última comissão que deve analisar o projeto (a de defesa do consumidor!), nada impede que seja votado em plenário pelos senadores.

O senador Cidinho Santos vem argumentando que o símbolo “T” é “enorme e assusta os consumidores”, bem como prejudica as exportações e deprecia os produtos brasileiros.

Senadores contrários ao projeto, que conseguiram aprovar relatórios contrários ao projeto nas comissões de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Assuntos Sociais (CAS), enfatizam que o símbolo, por Lei, fica no canto inferior direito e ocupa uma área mínima, de 0,4% da área total da embalagem (0,12 cm de uma embalagem de 30 cm).

Além disso, os países que aceitam produtos transgênicos continuarão a importar. Já mercados como o europeu, por exemplo, têm adotado restrições cada vez mais rígidas e exigido a rotulagem dos produtos transgênicos, pois entendem os impactos e riscos que esse modelo de produção representa para a saúde e o meio ambiente.

Muitos parlamentares têm denunciado um outro efeito perverso da aprovação do projeto. Caso o PLC 34/2015 seja aprovado, os agricultores familiares passariam a sofrer dura punição, pois teriam que arcar com os custos de testes e fiscalização para provar que produzem sem transgênico, invertendo completamente a lógica atual, em que quem produz a partir de componentes transgênicos é que tem a obrigatoriedade por lei de informar sobre a presença nas embalagens por meio do símbolo “T”.

 

E agora?

Em um momento em que a sociedade cobra cada vez mais transparência e acesso à informação, setores obscurantistas continuam trabalhando para que fiquemos na ignorância.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está discutindo como expor melhor as informações do rótulo nos produtos brasileiros para dar às pessoas condições de fazerem escolhas mais saudáveis. Na contramão, o Senado está discutindo como retirar informações de interesse dos consumidores.

Já se manifestaram contra o PLC entidades dos consumidores, o Conselho Nacional de Saúde e o de Segurança Alimentar – praticamente todos que representam aqueles atingidos pela retirada do “T” das embalagens. Apenas a indústria de produtos alimentícios e os representantes do agronegócio se manifestaram pela retirada do “T”.

 

Diga não à retirada do T

Estamos dizendo “nos deixem escolher”. O produtor que quer produzir um alimento livre de transgênico deve poder dizer “este produto não tem transgênico”. O consumidor que não quer arriscar a saúde da sua família deve poder escolher um produto que não tenha o “T”.

Não podemos deixar que esse atropelo ocorra. Precisamos garantir que o PLC 34/2015 seja debatido na Comissão de Defesa do Consumidor do Senado, que a sociedade seja ouvida em audiências públicas e precisamos nos organizar e lutar para que esse retrocesso não ocorra, barrando qualquer tentativa de votação sem discussão.

Não vote em quem quer te deixar no escuro, quem é contra a transparência e o direito à informação, à liberdade de escolha.

Essa luta também é sua. Contamos com o seu apoio.

 

*Ana Paula Bortoletto é nutricionista e líder do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); Marina Lacôrte é agrônoma e especialista em agricultura e alimentação no Greenpeace; e Paula Johns é socióloga e diretora da ACT Promoção da Saúde. As três fazem parte da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.




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