Por uma sociedade livre de tabaco

08.08.19


José Serra, O Estado de S.Paulo

Ontem (7/8) o Estado de São Paulo celebrou dez anos de implantação da lei de ambientes livres de fumo. Houve na época forte oposição dos empresários do setor, com o argumento de que os varejistas iriam sofrer perdas imensas e irreparáveis. Mas isso não aconteceu e a lei paulista passou a servir de modelo para outros Estados brasileiros também dispostos a combater o tabagismo passivo em ambientes públicos. Mais ainda, abriu o caminho para uma nova lei nacional sobre a matéria, que pode dar ao Brasil a condição de maior país com ambientes livres de fumo no mundo.

De fato, a aprovação e a implantação das leis antitabagistas – coordenadas pelo Ministério da Saúde a partir do final dos anos 1990 – representaram uma conquista sem precedentes para as gerações presentes e futuras. Além disso, vale sublinhar, as imensas perdas para a economia brasileira anunciadas pela indústria tabagista não se concretizaram.

O argumento das fumageiras com relação à proibição do fumo em ambientes públicos apenas repetiu o que já haviam dito quando o Ministério da Saúde no governo Fernando Henrique proibiu a publicidade, a promoção e o patrocínio de produtos do tabaco no Brasil e instituiu advertências sanitárias nos maços de cigarros. Em paralelo a essas medidas, o mesmo governo FHC instituiu, quando da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), poderes reguladores sobre a indústria fumageira, que até aquele momento não tinha um marco regulatório definido no País.

Todas essas iniciativas marcaram de forma decisiva o cenário da saúde pública brasileira, tornando o Brasil um líder mundial no controle do tabagismo. Tivemos papel-chave na arena global quando da negociação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial de Saúde, tratado que conta com 181 países partes, entre eles o Brasil, que, por sua vez, favoreceu o Protocolo de Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco – solução para acabar com o contrabando de cigarros.

Mostramos também a outros países fumicultores que é possível dar prioridade ao controle do tabaco não apenas centrando nossa atuação na área de saúde, mas também por meio de medidas multissetoriais. Concebemos e praticamos uma política de Estado que foi reconhecida como uma das melhores do mundo, por ocasião do lançamento do relatório global da epidemia do tabaco pela OMS.

Dados não faltam para mostrar o impacto positivo das medidas adotadas no Brasil. A prevalência de fumantes na população caiu de 34,8% para 10,1% entre 1989 e 2017, de acordo com dados do Instituto do Câncer (Inca). Pesquisa mais recente do Ministério da Saúde/Vigitel mostrou que a porcentagem de fumantes nas grandes capitais declinou para 9,3% em 2018. A prevalência de enfermidades relacionadas ao tabaco também tem caído, caso da doença pulmonar obstrutiva crônica e de vários tipos de câncer.

Ainda assim, os custos de tratamento de doenças do tabaco no Brasil alcançam até R$ 39,4 bilhões por ano, de acordo com o Ministério da Saúde. Isso é três vezes mais do que as empresas de tabaco pagam de tributos por ano no País. Recentemente, aliás, a Advocacia-Geral da União entrou com pedido inédito de indenização para as fabricantes de cigarros ressarcirem a União pelos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) nos último cinco anos com o tratamento de doenças decorrentes do tabaco.

Por sua vez, a política de ambientes livres de fumo do Estado de São Paulo conseguiu 99,7% de adesão de estabelecimentos abertos ao público, além de 90% de índice de aprovação da população paulista. Nos primeiros 17 meses da implementação da Lei Antifumo, a queda de mortes por enfarte do miocárdio no Estado chegou a 12%, de acordo com pesquisas do Instituto do Coração (Incor).

Mais recentemente, propusemos um projeto de lei no Senado cuja ênfase é mais uma vez a proteção das gerações futuras da epidemia do tabaco. O projeto prevê “maços genéricos” e a proibição de aditivos de sabores e fragrâncias que estimulam o consumo entre jovens; prevê ainda a proibição da exposição do produto em pontos de venda e do consumo dentro de veículos onde estejam crianças. Fortalecemos, assim, o marco regulatório de produtos de tabaco, que representam um problema de saúde pública num país de 16 milhões de fumantes.

Mas a indústria fumageira não esmorece: sua nova estratégia propõe a substituição de cigarros comuns, cujo consumo vem caindo de forma inquestionável no Brasil, por cigarros eletrônicos e aquecidos, até agora proibidos no País graças ao princípio da precaução utilizado anos atrás pela Anvisa.

Essa estratégia, se aprovada, acabaria por estimular o uso de nicotina e abriria um novo mercado para esse produto no Brasil, sempre com impacto especialmente adverso em crianças e adolescentes. Isso já ocorreu em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, onde uma epidemia de uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes foi recentemente identificada. Sem contar a promoção do consumo de narguilé, um produto que também se tornou popular entre jovens e provoca danos comprovados à saciedade.

Não há como ignorar os números: são 6 milhões de mortes por doenças relacionadas com o cigarro a cada ano no mundo. No Brasil são 130 mil pessoas que todos os anos perdem a vida por causa do cigarro, o que equivale a mais de 10% dos óbitos na sociedade brasileira.

Neste momento em que celebramos dez anos de política de ambientes livres de fumo em São Paulo e 20 anos de políticas nacionais de ponta no controle do tabagismo, contamos com a sociedade para uma vez mais dizer não ao consumo de produtos de tabaco e de novos produtos que a indústria fumageira propõe para a inalação de nicotina. Nossa sociedade não se beneficiará com nenhum deles. Ao contrário, as crianças brasileiras vão ser muito mais felizes num mundo livre dessas drogas.

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,por-uma-sociedade-livre-de-tabaco,70002959011?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link




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