Soda tax: tributação com propósito de inibir o consumo de refrigerantes

21.05.18


JOTA

refrigerantes

Em diversos países do mundo, tem-se discutido nos últimos anos a instituição de tributo sobre bebidas que contenham açúcar em sua composição, tendo como alvo principal os refrigerantes. Esse tipo de tributo teria um papel indutor de comportamento. Uma de suas finalidades seria incentivar os contribuintes a substituir os refrigerantes por bebidas mais saudáveis. Essa discussão ganhou força a partir de um documento publicado pela Organização Mundial de Saúde, em 2013, incentivando os países a considerar tributos do gêneroi. As especificidades dessa modalidade de tributo, entretanto, variam de país a país.

Nos Estados Unidos, o tributo releva da competência dos municípios. Várias cidades da Califórnia já implementaram o tributo, que naquele país é geralmente denominado “soda tax”. Berkeley foi o primeiro município a instituir o tributo em 2014 e, de lá para cá, outros municípios seguiram na mesma linha. São Francisco, por exemplo, introduziu o tributo no final de 2016. O tributo incide a razão de um centavo a cada 28,35 ml de bebida (“one cent per ounce”) e tem como principal propósito reduzir o consumo de refrigerantes.

A Irlanda também considera a possibilidade de um tributo sobre refrigerantes. Em fevereiro desse ano, o país consultou a Comissão Europeia sobre os seus planos de introduzir um tributo sobre refrigerantes e bebidas com adição de 5 ou mais gramas de açúcar. A consulta visava saber se o tributo estaria conforme as normas da União Europeia, particularmente quanto às regras que proíbem auxílios estatais (state aids). Embora a decisão ainda não tenha sido publicada, a Comissão Europeia divulgou nota no final de abril informando que o tributo estaria em conformidade com o direito europeuii.

Recentemente, o Reino Unido também introduziu o tributo com o nome de sugar tax. O imposto entrou vigor em 06 de abril de 2018. A despeito de sua nomenclatura, que induz a uma aplicação mais abrangente, o tributo incide apenas sobre as bebidas que adicionam açúcar, em especial, refrigerantes; outros produtos que tenham açúcar na sua composição, tais como bolos e biscoitos, não foram abrangidos. Diferentemente dos Estados Unidos, o tributo varia conforme a quantidade de açúcar na composição da bebida: 18 centavos de libra esterlinas para bebidas contendo entre 5-8 gramas de açúcar por 100 ml; e 25 centavos de libras esterlinas para bebidas contendo acima de 8 gramas de açúcar por 100 ml.

Mesmo antes de sua entrada em vigor, argumenta-se que o sugar tax britânico teria gerado reflexos positivos. Alguns dos principais fabricantes de refrigerantes se anteciparam e alteraram a composição de suas bebidas para reduzir a quantidade de açúcar. A formatação do tributo com alíquotas diferenciadas em função da quantidade de açúcar é supostamente uma das responsáveis por essa postura, razão pela qual essa formatação é considerada melhor do que a do modelo norte-americano. Isso porque o tributo não somente desestimula o consumo da bebida, mas também incentiva os fabricantes a reduzir a quantidade de açúcar visando o enquadramento em a uma alíquota menoriii.

Tendo em vista a finalidade de influenciar o comportamento dos contribuintes a ter uma vida mais saudável, poder-se-ia pensar na introdução de um tributo do gênero em nosso país. A redução do consumo de açúcar não somente possui reflexos positivos na qualidade de vida dos indivíduos, mas também nas finanças públicas. Não é necessário dizer que uma alimentação saudável é fator essencial para a redução de incidentes médicos e, por consequência, a diminuição dos gastos estatais com despesas médicas e benefícios previdenciários.

É verdade que o índice de obesidade no Brasil ainda é inferior ao de países como Estados Unidos, Irlanda e Inglaterra. Relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura divulgado em 2013 (com base em dados de 2008) indica que a obesidade em adultos no país encontrava-se na faixa de 19,5%iv. Entretanto, de lá para cá, há notícia de que o índice de obesidade e sobrepeso no país tenham crescido consideravelmentev. Mantida essa taxa de crescimento, é possível que, em alguns anos, o Brasil esteja entre aqueles com maior índice de obesos no mundo.

A discussão sobre a tributação dos refrigerantes e bebidas com adição de açúcar ganhou maior notoriedade no Brasil a partir da Recomendação nº 21, de 9 de junho de 2017, do Conselho Nacional de Saúdevi. A recomendação sugere o aumento da tributação dos refrigerantes e outras bebidas açucaradas em, no mínimo, 20%, por meio de tributação específica. Os recursos provenientes do aumento de tributo seriam utilizados para financiar políticas de combate à obesidade infantil.

Essa recomendação foi objeto de audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara em 31 de outubro de 2017. Na audiência, especialistas na área da saúde, representantes da indústria de refrigerantes, do Ministério da Fazenda e de órgãos de defesa do consumidor debateram diversos aspectos da introdução desse tributo. O tema, entretanto, não parece ter ganhado a devida atenção de deputados e senadores. Tampouco foi discutido em profundidade por estudiosos do direito tributário em nosso país.

Caberia, assim, perguntar como poderia ser a configuração desse tributo em nosso país considerando o sistema tributário nacional.

Uma alternativa mais simples, certamente, seria aumentar a alíquota de IPI desses produtos, a exemplo do que já ocorre com os cigarros. O IPI incide sobre os produtos industrializados e possui incontroversa finalidade extrafiscal. O imposto privilegia os bens de primeira necessidade. Conforme o art. 153, § 3º, I, da Constituição, o IPI deverá ser “seletivo, em função da essencialidade do produto”. Significa dizer que quanto mais indispensável for o bem, menor deve ser sua tributação; por outro lado, quanto mais supérfluo for o produto, maior deverá ser sua tributação.

A principal vantagem da utilização do IPI com o propósito de desestimular o consumo de refrigerantes é o fato de que isso poderia ser facilmente alcançado com o aumento da alíquota a que estão sujeitos esses produtos por meio de um Decreto presidencial. Por outro lado, a desvantagem seria de que, por se tratar de um imposto, o IPI não poderia ser destinado especificamente para campanhas de prevenção e combate a obesidade.

À primeira vista, a variação de alíquota de IPI em função da composição do refrigerante (com mais ou menos açúcar em sua composição) poderia, também, levantar dúvidas em relação à sua adequação ao princípio da seletividade em função da essencialidade. Poder-se-ia eventualmente argumentar que um refrigerante sem adição de açúcar é tão supérfluo quanto outro com adição de açúcar, não havendo justificativa plausível para uma tributação diferenciada a depender da composição do produto.

Registre-se, no entanto, que a diferenciação da alíquota de IPI aplicável aos refrigerantes em função da composição do produto já ocorre na atual sistemática do tributo. A Tabela do IPI (“TIPI”) anexa ao Decreto nº 8.950/2016 estabelece que os refrigerantes, em regra, estão sujeitos à alíquota de IPI de 4%. Entretanto, observadas algumas condições, essa alíquota é reduzida para 2% quando o refrigerante contiver extratos de açaí ou guaraná; e para 3% quando contiver suco de fruta em sua composição.

Outra alternativa que se poderia pensar é a instituição de um tributo do gênero por meio de uma contribuição para a seguridade social, com destinação específica para a saúde. Os recursos provenientes de eventual contribuição social incidente sobre os refrigerantes e demais bebidas com adição de açúcar poderiam, assim, ser investidos na prevenção e tratamento de doenças como a obesidade, a cárie dentária e a diabetes.

As contribuições sociais encontram-se expressamente delimitadas no art. 195 da Constituição, podendo incidir, em linhas gerais, sobre a folha de salários, a receita, o lucro, o salário do trabalhador, receita de concurso de prognósticos e importação. Porém, nada impede que outras contribuições sejam criadas, desde que por meio de lei complementar, conforme determina o art. 195, § 4º, da Constituição. A aprovação de uma lei complementar não é tão fácil quanto a de uma lei ordinária, necessitando de maioria absoluta.

A criação de um tributo específico para os refrigerantes (ou mesmo o aumento da tributação já existente) para desestimular o seu consumo não é pacífica e possui algumas resistências. Assim como ocorre com qualquer tributo, implica aumento da carga tributária e gera preocupação em relação aos possíveis impactos do tributo na economia. Além disso, argumenta-se que o tributo não inibe o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas, apenas tornando-o mais caro para a população em geral.

Enfim, o presente artigo serve apenas para instigar os debates a respeito de eventual introdução do soda tax no sistema tributário brasileiro. Essa reflexão parece importante para avaliarmos se seria conveniente e oportuno, do ponto de vista da política tributária brasileira, que nosso país siga o mesmo rumo adotado por outros países e, em caso afirmativo, quais seriam algumas das possíveis opções do legislador de formatação desse tributo.

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i http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250131/9789241511247-eng.pdf?sequence=1

ii http://europa.eu/rapid/press-release_IP-18-3521_en.htm

iiihttps://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2018/03/21/why-the-british-soda-tax-might-work-better-than-any-of-the-soda-taxes-that-came-before-it/

iv http://www.fao.org/docrep/018/i3300e/i3300e.pdf

v http://www.brasil.gov.br/saude/2017/04/obesidade-cresce-60-em-dez-anos-no-brasil

vi http://www.conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2017/Reco021.pdf

Phelippe Toledo Pires de Oliveira – procurador da Fazenda Nacional, mestre em Direito Tributário pela Universidade de Paris I Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo e Visiting Scholar pela Universidade de Londres, Queen Mary.




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