Agenda 2030, tributos saudáveis e monitoramento da indústria do tabaco | Boletim ACT 163

03.08.20


 

Editorial

No começo de julho, a agência norte-americana que regula drogas e alimentos, a Food and Drugs Administration (FDA), autorizou a comercialização do IQOS Tobacco Heating System, um dispositivo eletrônico para fumar que usa tabaco aquecido, como um produto de tabaco de “risco modificado”. Embora tenha liberado, a agência fez um adendo explicando que não há informações suficientes sobre a segurança desses produtos para a saúde, ao contrário do que alega a indústria do tabaco. No caso, a Philip Morris International, que desenvolve o IQOS e vem pressionando os países fortemente para que liberem o produto. A comunidade de controle do tabagismo e a Organização Mundial da Saúde fizeram alertas contra a liberação, que pode colocar jovens em risco, já que deve aumentar o consumo desse tipo de dispositivo para fumar.

Evidências científicas têm mostrado que um histórico de tabagismo está associado com agravamentos e desfechos negativos entre infectados pelo novo coronavírus e que medidas de enfrentamento ao tabagismo contribuem para o controle dos prejuízos decorrentes da Covid-19. Apesar disso, tem sido registrada uma sequência de ações da indústria do tabaco que levam as pessoas a pensarem que fumar não é um fator de risco ao agravamento da Covid-19. As empresas de cigarros também divulgam estudos com resultados e análises frágeis alegando um suposto efeito protetor da nicotina e conduzem a pensar que fazem parte da solução do maior desafio sanitário enfrentado por nações do mundo todo. Sobre esse tema, a ACT se uniu a outras organizações de cinco países latino-americanos e produziu um relatório sobre essas estratégias da indústria do tabaco em tempos de pandemia, lançado virtualmente na semana passada.

Ainda sobre as estratégias das empresas para promover seus produtos e, ao mesmo  tempo, melhorar a sua imagem corporativa, lançamos o Boletim de Monitoramento sobre responsabilidade social. Foi possível ver que algumas das empresas que fabricam produtos que fazem mal à saúde chegam a se colocar como parte da solução, quando basta uma análise simples para vermos que, na verdade, elas são uma das causas do problema. Aproveitamos a oportunidade e chamamos o público para contribuir com nosso monitoramento em tempos de pandemia, enviando ações identificadas para act@actbr.org.br e participando da iniciativa de monitoramento das indústrias da NCD Alliance.

Neste mês, também participamos de encontros virtuais. O primeiro, na última segunda-feira, dia 27, foi o webinar internacional que discutiu tributação de produtos que fazem mal à saúde, cujo resumo você pode ler nesta edição. O outro foi o lançamento do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030, na sexta-feira, 31. O Relatório Luz é um documento produzido pela sociedade civil que oferece um panorama em 360 graus sobre o andamento da implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no país e do qual a ACT foi uma das colaboradoras. Na edição 2020, os especialistas concluem que a concretização de todos os ODS está ameaçada e que vivemos uma “tragédia anunciada”. A Entrevista do Mês é com Francisco Menezes, economista que faz parte do GT da Agenda 2030 e conta sobre os principais pontos do relatório.

Boa leitura.

Anna Monteiro | Diretora de Comunicação
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Entrevista – Francisco Menezes

O ano de 2020 marca o primeiro quinquênio da Agenda 2030 e inaugura a Década de Ação, declarada pelas Nações Unidas visando acelerar o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em todo o mundo. O lançamento do IV Relatório Luz do GT Agenda 2030 ocorre em plena pandemia da Covid-19, que fez com que todas os compromissos para cumprimento dos ODS fossem revigorados durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU, que recentemente reuniu presidentes e líderes de praticamente todo o mundo. Nele, em diversos painéis o Brasil foi mencionado de forma negativa, particularmente pela sua péssima resposta à Covid-19.

Conversamos com o economista Francisco Menezes, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), consultor de ActionAid Brasil e participante do GT 2030 da Sociedade Civil, que elaborou, junto com outras 50 organizações, entre elas a ACT, o documento final do Relatório Luz.

Qual o objetivo do monitoramento feito pelo Relatório Luz e por que é importante apresentar os dados anualmente?

Considero o monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como um dos melhores termômetros para a avaliação do conjunto de políticas públicas nacionais e a contribuição ou não dessas políticas para um desenvolvimento sustentável.

Essa avaliação tem a grande virtude de poder ser feita não de forma estanquisada, mas ser praticada de uma forma holística, dentro da compreensão de que um objetivo e os esforços para cumpri-lo sofrem a influência e impactam sobre os outros. É nessa perspectiva que o GT da sociedade civil trabalha, e a divulgação de seus dados anuais pelo Relatório Luz constitui-se em um verdadeiro balanço sobre o caminho percorrido pelo país.

O Brasil está conseguindo atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável? Houve retrocessos?

Infelizmente, [o relatório] não indica que poderá atingir. Vemos com muita preocupação a trajetória que o Brasil vem cumprindo desde que publicamos nosso primeiro relatório, em 2017. 

O Relatório Luz mostra com dados e análises de cada objetivo as dificuldades que são constatadas, decorrentes principalmente do Estado brasileiro não assumir de fato esses objetivos, suas metas e indicadores como orientadores para o desenvolvimento do país. Mas existiu um fator maior, decisivo para o retrocesso que o Relatório Luz de 2020 evidencia, que é a chamada Emenda do Teto de Gastos, aprovada em dezembro de 2016, que evoca uma política de austeridade fiscal que, na verdade, desmonta a proteção social e limita drasticamente os investimentos públicos, condenando o país por 20 anos a uma marcha à ré naquilo que mais precisa avançar. Eu arriscaria em dizer que essa emenda constitucional é a negação explícita do compromisso brasileiro com a Agenda 2030.

Uma questão que vem sendo discutida atualmente é a transparência dos dados públicos. Houve mais dificuldade em coletar dados para o Relatório Luz? Algum ponto específico?

Vivemos um momento muito ruim quanto à produção e acesso a dados que são fundamentais para a avaliação da realidade do país e de suas políticas públicas. Na leitura de nosso relatório pode ser observada a dificuldade na coleta de dados, registrada em quase todos os objetivos. Isso prejudica a nossa avaliação, mas o custo maior é para o próprio país, que deixa de contar com instrumento insubstituível para a correta condução das políticas. 

A forma como o Censo Demográfico foi projetado pela presidência do IBGE é um exemplo das perdas que essa pesquisa tão essencial poderia sofrer, não fosse a mobilização dos próprios funcionários da instituição e de setores da sociedade, que atenuaram os danos dessa condução equivocada. Mas quero citar um outro exemplo do que está ocorrendo e que já acarreta prejuízos consideráveis: de cinco em cinco anos, o IBGE vai a campo para realizar uma importante pesquisa referente à insegurança alimentar no Brasil. Em 2018, junto com a Pesquisa do Orçamento Familiar, repetiu essa prática por meio da aplicação de um questionário junto a uma amostra representativa de famílias. Seus resultados permitiriam que fossem quantificadas quantas famílias usufruíam de uma situação de segurança alimentar e quantas outras estariam nas categorias de insegurança leve, moderada ou grave, sendo que esta última expressa situações de fome. 

Nas pesquisas anteriores, em 2004, 2009 e 2013, os resultados foram divulgados seis meses depois e foram extremamente importantes para a orientação das políticas de segurança alimentar. A realizada em 2018 até hoje não teve seus resultados revelados. As sucessivas programações de anúncio dos resultados, divulgadas pelo IBGE, foram sendo adiadas e até hoje não sabemos o que a pesquisa nos dirá. Se ela for divulgada no segundo semestre deste ano, como foi prometido depois do último adiamento, já terá pouca utilidade face ao tempo decorrido, supondo-se inclusive que já estamos em uma situação bem mais grave quanto à insegurança alimentar.

Quais os principais pontos que podemos destacar do Relatório Luz em relação à saúde e às questões sobre pobreza?

Recomendo fortemente a atenta leitura do Objetivo 3, Saúde e Bem Estar. Ele registra tendências que ao longo do tempo foram bastante satisfatórias, mas que se encontram ameaçadas ou já em retrocesso. Trabalhamos com um espectro amplo de variáveis a serem analisadas, cada uma com suas características específicas e tempos diferenciados de alteração em seus indicadores. Há retrocessos preocupantes, como os relativos às chamadas doenças tropicais negligenciadas, que atingem principalmente nossa população mais vulnerável socialmente. 

Há igualmente motivos para preocupação em relação ao HIV/AIDS. O Brasil vinha cumprindo uma trajetória exitosa até então, mas que agora começa a mostrar tendência de acirramento nas regiões Norte e Nordeste. Por trás desses e de outros problemas relatados, aparece o efeito da Emenda do Teto de Gastos, aqui já citada, que fez a Saúde perder, até 2019, um total de 20 bilhões de reais, enfraquecendo o SUS. 

O Objetivo 1, relacionado à erradicação da pobreza, segue na mesma direção, como mostra a inflexão nas curvas da pobreza e extrema pobreza que vinham em queda acentuada até 2014 e que, com a opção por políticas ultraliberais na economia e pelo desmonte do estado de proteção social, voltaram a crescer aceleradamente.

O Brasil passa por uma crise sanitária sem precedentes. Como estamos em relação ao orçamento para a saúde?

O orçamento para a Saúde vinha sofrendo perdas ano a ano. Com a epidemia da Covid-19, foi aprovada uma verba emergencial de 38,9 bilhões adicionais. Mas, segundo o Tribunal de Contas da União, o Ministério da Saúde só utilizou até agora um terço desses recursos, assistindo passivamente à multiplicação de casos e óbitos no país e não atuando para enfrentar essa catástrofe. O negacionismo e a renúncia a seu papel de coordenação em uma crise dessa gravidade condenam na história esse governo e esse ministério, ocupado no momento dessa entrevista por uma direção composta por figuras estranhas à ciência e sem o conhecimento e experiência que seus cargos exigem.

Em relação às doenças crônicas não transmissíveis, melhoramos as metas de diminuir o consumo de cigarros e álcool e também em relação à atividade física e a uma alimentação mais saudável, com menos ingestão de produtos ultraprocessados?

Este é mais um quadro que gera muitas preocupações, de uma maneira geral. O relatório mostra que essas doenças, entre as quais incluem-se hipertensão, diabetes e câncer, vêm atingindo índices elevados, representando 72% das causas de morte no Brasil. É sabido que o tabagismo, o consumo abusivo de álcool e a alimentação não saudável são destacados fatores de risco para elas, assim como a insuficiente atividade física por parte da maior parte da população. Portanto, há que se atuar com políticas públicas e com mobilização da sociedade para a redução dessas práticas não saudáveis. 

Creio que há iniciativas importantes na sociedade, como é o caso da valorosa atuação da ACT com esclarecimento, campanhas e competente incidência em políticas para que se reverta essa situação.

Uma difícil via de enfrentamento diz respeito à regulação de publicidade, em virtude do poder econômico das empresas que atuam com bebidas alcoólicas, fumo e alimentos não saudáveis. Eu, que atuo no campo da segurança alimentar e nutricional, posso falar da dura luta que se precisa travar nesse enfrentamento. Neste momento, em que teremos uma queda acentuada do poder aquisitivo da população mais vulnerável sem a garantia de que o Estado assegurará o mínimo necessário para uma alimentação digna, tenho preocupações grandes sobre aquilo que pesquisas que realizamos mostraram: que, diante da incapacidade de acesso a alimentos mais saudáveis por conta de seu empobrecimento, parte de nossa população irá recorrer a alimentos ultraprocessados, oferecidos por menor custo, mas com alta densidade calórica e pobre em nutrientes. 

Daí resultam e se agravam doenças crônicas não transmissíveis, sobrepeso e obesidade, com todos os prejuízos à saúde e bem-estar resultantes.

Qual sua opinião sobre como deve ser a atuação da sociedade civil para o cumprimento dos ODS?

Em primeiro lugar, é muito importante que nossa atuação busque chegar a um círculo mais amplo da sociedade, informando, escutando, debatendo e mobilizando para objetivos que são fáceis de serem entendidos e desejados, mas que implicam a disposição para a luta. 

O Relatório Luz é um instrumento muito efetivo, nesse sentido, porque ele se baseia em dados oficiais ou em fontes absolutamente confiáveis e produz argumentos consistentes, fruto de profundas reflexões e debates entre os especialistas que o elaboram. Um outro campo de atuação é junto a articulações da sociedade que estão envolvidas com lutas comuns às nossas. Mas temos também o legítimo papel de pressionar o poder público para que seja cumprido o compromisso que assumiu frente aos outros países signatários da Agenda 2030 e, principalmente, com nosso povo. 

O GT 2030 da sociedade civil busca exercer esse papel. No atual contexto temos um governo federal com aversão ao debate e à transparência e que, em manifesto desprezo, retirou a Agenda 2030 do Plano Plurianual. Não há muito a fazer por aí, senão denunciar. 

Mas temos experimentado uma incidência sobre o Congresso Nacional e hoje contamos com a Frente Parlamentar dos ODS. Temos também acumulado experiências de nossas organizações ao recorrermos à justiça quando isso se justifica.  E há que se considerar com igual importância a sensibilização junto a governos estaduais e municipais, com potencial de avanços que geram contrastes com a atuação do governo federal. Portanto, temos um campo amplo a percorrer, que conta com a qualidade das organizações que estão engajadas em nosso GT.
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IV Relatório Luz da Agenda 2030

Sintomas agudos da pandemia da Covid-19 (como o colapso do sistema de saúde), o aumento do desemprego, da pobreza extrema e da fome e muitos problemas ambientais poderiam ter sido amenizados se o Brasil estivesse cumprindo os compromissos que firmou em 2015, quando assinou, junto com 192 países-membros da ONU, o acordo que definiu a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: é o que alertam 108 especialistas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o GT Agenda 2030, em seu IV Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030.

Formado por uma coalizão de 51 organizações, da qual a ACT Promoção da Saúde participa, o GT analisa a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em território brasileiro nas áreas social, econômica e ambiental. O Relatório Luz é a única publicação no Brasil que oferece um panorama em 360 graus sobre o andamento da implementação da Agenda 2030 no país, organizada pela sociedade civil. Na edição 2020, os especialistas concluem que a concretização de todos os ODS está ameaçada e que vivemos uma “tragédia anunciada”.

A exemplo das três primeiras edições, o IV Relatório Luz se baseia em dados oficiais disponíveis. Nos casos em que inexistem informações oficiais, foram utilizados estudos produzidos pela sociedade civil ou pesquisas acadêmicas catalogadas na biblioteca SciELO ou no Portal Capes, observando os critérios de série histórica e metodologia consolidada. 

Nesta edição, a novidade do Relatório Luz é a inclusão de uma classificação de acordo com a evolução das metas analisadas: retrocesso, quando as políticas ou ações correspondentes foram interrompidas, mudadas ou sofreram esvaziamento nos seus orçamentos; meta ameaçada, quando ações ou inações têm repercussões que comprometerão o alcance futuro dela; meta estagnada, se não houve nenhuma indicação de avanço ou retrocesso significativos estatisticamente; progresso insuficiente, se a meta apresenta desenvolvimento lento, aquém do necessário para sua implementação efetiva; e progresso satisfatório, quando a meta está em implementação e com chances de ser atingida ao final do ano de 2030.

 

Tributação como ferramenta para melhorar indicadores de saúde pública

Tributos Saudáveis: bom para a saúde, bom para a economia é o título do webinar que foi realizado em 27 de julho com especialistas nacionais e internacionais e apresentou evidências científicas sobre como os impostos podem ser utilizados para melhorar os indicadores de saúde e o bem-estar da população.  

Socorro Gross, representante no Brasil da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), fez a abertura e chamou a atenção para a importância da taxação de produtos que fazem mal à saúde no contexto da região da América Latina e Caribe. De acordo com o relatório Panorama de Segurança Alimentar e Nutricional 2019, da ONU, o continente está pior que o resto do mundo na maioria dos indicadores de má nutrição relacionados ao consumo excessivo de calorias: o sobrepeso dobrou desde a década de 1970 e, hoje, afeta 59,5% dos adultos na região, 262 milhões de pessoas, enquanto globalmente a taxa é 20 pontos percentuais mais baixa: 39,1%. “Hoje vivemos uma pandemia, com hospitais sobrecarregados, com uma crescente demanda por recursos financeiros e humanos, e o imposto sobre tabaco, álcool e bebidas açucaradas asseguraria maior capacidade financeira para fortalecer nosso sistema de saúde”, afirmou Socorro. “Quando as pessoas têm condutas mais saudáveis, que podem e são estimuladas por políticas como a taxação, podemos ter um desenvolvimento melhor de nossas crianças, reverter o quadro de obesidade em nossos países e melhorar o bem-estar de nossas populações”, concluiu. 

Assessora regional de Controle do Tabaco da OPAS e coordenadora do grupo de trabalho de economia das DCNTs, Rosa Sandoval apresentou um panorama sobre essas doenças, que incluem as cardiovasculares e respiratórias, câncer e diabetes. Ela relembrou que, anualmente, 71% por cento de todas as mortes no mundo são provocadas por DCNTs, o que representa 41 milhões de mortes por ano. Deste total, 15 milhões de pessoas morrem prematuramente, entre 30 e 69 anos de idade, o que leva à perda de produtividade e a um impacto econômico global de US$ 47 trilhões até 2030, segundo estimativas das Nações Unidas. 

De acordo com Rosa Sandoval, dos cinco principais fatores de risco para DCNTs, três podem ser enfrentados com a adoção de tributos: o consumo de tabaco, o uso abusivo de álcool e a alimentação não saudável, com alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas. 

Alan Fuchs, do Banco Mundial, explicou a definição dos impostos sobre bebidas adoçadas e tabaco como regressivos - ou seja, um imposto que é proporcionalmente mais caro para contribuintes com menor poder aquisitivo do que para aqueles com maiores rendas. “Os impactos negativos do aumento dos preços são menores do que os benefícios econômicos de longo prazo com a redução do consumo de bebidas adoçadas, que incluem redução nos custos médicos, mortes precoces evitadas e aumento na produtividade. No longo prazo, teremos benefícios desses impostos para combater a desigualdade social e a pobreza”, concluiu o pesquisador.

O economista Armínio Fraga, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), abordou o uso de sistema de preços para os formuladores das políticas públicas e caracterizou os gastos em saúde como investimentos. “Promover a saúde é bom e é econômico, evita gastos. Não estamos falando aqui de um jogo de soma zero, é um ganha-ganha. Toda a ideia de ter saúde para viver mais e melhor é óbvia para qualquer pessoa, mas é raro ver isso expresso nas políticas públicas” afirmou o economista. “A experiência de tributação seletiva e redução do consumo com o tabaco se mostrou extremamente profícua, e o mesmo deveria acontecer na área da alimentação, com as bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados. Isso funciona e pode ser incorporado à política econômica”, afirmou Armínio. 

O deputado Aguinaldo Ribeiro (PB/PP), relator da reforma tributária na comissão mista do Congresso Nacional, ressaltou a importância e o desafio de debater e aprovar uma reforma tributária no momento atual. “Temos hoje, no nosso sistema tributário, uma seletividade por externalidade negativa, onde se tem a taxação do tabaco e do álcool, e temos experiências exitosas com esse tipo de taxação. Acho importante, sim, rever a tributação e que você também tenha seletividade positiva, para incentivar economia verde e boas práticas”, afirmou.

Paula Johns, diretora geral da ACT, que mediou o debate, concordou com os participantes sobre a experiência positiva com a tributação do tabaco e que este é o momento propício para que a ferramenta da tributação seja usada para melhorar indicadores de saúde, sem esquecer da desigualdade social, que no Brasil é um tema muito importante. “Esse é só o começo de um debate que precisa ser aprofundado pela sociedade”, concluiu. 

 

Desmascarando a indústria do tabaco

A ACT Promoção da Saúde, ao lado de organizações da sociedade civil de cinco países da América Latina – Argentina, Colômbia, Equador, México e Uruguai – e com apoio da Campaign for Tobacco-Free Kids e The Union, preparou um relatório regional sobre estratégias de promoção e comércio de produtos de tabaco em tempo de pandemia. Foi feito um levantamento das estratégias de propaganda e promoção de cigarros e dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) e apontamentos sobre a comercialização desses produtos em dias de confinamento, distanciamento físico e medidas de enfrentamento à COVID-19.  

O relatório identificou que, mesmo quando há proibição legal, está havendo propaganda de produtos de tabaco (convencionais e/ou DEFs) em redes sociais, internet, e-mails, WhatsApp e plataformas de entregas. Muitas vezes, essa propaganda está acompanhada de elementos promocionais como cupons de desconto, isenção de taxa de entrega e redução do preço. No Brasil, foi identificado o uso do sticker de apoio às pequenas empresas no Instagram como estratégia de vapers e comerciantes de DEFs para promoverem esses produtos. Cabe destacar que a propaganda e venda desses produtos está proibida pela legislação brasileira desde 2009.

As mensagens disseminadas nas peças promocionais das empresas têm relação direta e se apropriam de alertas das autoridades sanitárias para enfrentamento à Covid-19, como “ficar em casa” e “ter cuidados com a saúde”, além de tentar dar apoio aos usuários em tempos difíceis.

Argentina e Brasil também registraram mobilização do setor produtivo para manter atividades de compra, beneficiamento e produção de cigarros em tempos de calamidade pública, quando deveriam ter sido mantidas apenas atividades essenciais. No entanto, o setor pressionou e as atividades nas indústrias seguiram, sendo que no Brasil a produção foi aumentada, conforme matéria do The Intercept.

O relatório também registrou respostas dos governos relacionadas ao controle do tabagismo nesse tempo de pandemia. De maneira geral, os países estudados tiveram governos reativos que informaram à população dos riscos dos tabagistas no caso de infecção pelo coronavírus. O Brasil teve destaque com muitas manifestações e produções técnico-científicas sobre o tema, incluindo reunião na Comissão Externa do Congresso Nacional para enfrentamento à pandemia da qual a ACT participou.

 

Responsabilidade social ou marketing?

A ACT abriu uma nova seção em seu website com informações levantadas pela nossa equipe de monitoramento que ajudam a expor as ações das indústrias ligadas aos fatores de risco das doenças crônicas não transmissíveis. A ideia é fornecer mais subsídios para que a sociedade civil continue a promover ações efetivas de advocacy e encorajar governos a estabelecer medidas efetivas de saúde pública.

Essas ações são fundamentais também para evitar conflitos entre interesses das corporações e os da saúde pública e se tornaram ainda mais importes na época atual, com a epidemia causada pelo novo coronavírus.

No Boletim de Monitoramento de junho, apresentamos temas como a crescente onda de desinformação a respeito de temas como nicotina e vitamina D, apresentadas como protetoras contra a Covid-19, a explosão de lives de artistas embaladas a bebidas alcoólicas. 

 

#VapeVicia

A campanha #VapeVicia segue defendendo a proibição de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), categoria que inclui cigarros eletrônicos e tabaco aquecido, nas redes sociais. 

A indústria do cigarro tem pressionado a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberar o comércio dos DEFs no Brasil, sob a alegação de que teriam risco reduzido, por não terem combustão, e serem destinados a adultos fumantes que não querem ou não conseguem parar de fumar. Entretanto, não há evidências conclusivas de pesquisas independentes, ou seja, sem conflito de interesse e que não sejam financiadas pelas empresas de tabaco, de que os DEFs reduzem realmente os danos à saúde.

A campanha é uma parceria da ACT com a Associação Médica Brasileira, a Fundação do Câncer, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Sociedade Brasileira de Pediatria, para mostrar como a indústria do cigarro cria novas formas para vender uma coisa bem antiga: a dependência da nicotina.

Além disso, pesquisadores estão chegando à conclusão que fumantes podem ser mais impactados pela Covid-19, porque há um comprometimento do funcionamento dos pulmões.

Não se deixe enganar! Acompanhe as redes sociais da ACT e de nossos parceiros e compartilhe a campanha #VapeVicia.

 

Impostos para Salvar Vidas

A ACT disponibilizou a tradução para o português do relatório "Impostos a favor da Saúde para Salvar Vidas", elaborado por um Grupo de Trabalho em Políticas Fiscais de Saúde formado por renomados especialistas em economia e saúde de vários países. 

O documento revisa as evidências sobre o impacto de políticas tributárias de tabaco, álcool e bebidas açucaradas no consumo, saúde e arrecadação fiscal.

O relatório traz importantes conclusões que podem ser utilizadas como subsídios científicos para a sensibilização de atores dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo para a defesa dessas medidas fiscais para reduzir as doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs), dentre as quais destacamos:

  • 50 milhões de mortes prematuras seriam evitadas;
  • US$ 20 trilhões adicionais seriam arrecadados;
  • 11 milhões de mortes poderiam ser evitadas em países de média renda e 2 milhões de mortes em países de baixa renda.

 

Solidariedade 

Desde o começo da pandemia da Covid-19, a ACT vem reunindo diversas ações de solidariedade, de organizações ou indivíduos, para ajudar quem precisa. Aqui estão algumas delas:

  • Rede Proteção Solidária - Nascida de uma parceria de profissionais do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da USP com quatro instituições de ensino, a rede está distribuindo equipamentos de proteção individual. As escolas, parceiras e protagonistas ao mesmo tempo, disponibilizaram seus espaços e equipamentos para a confecção dos equipamentos.
  • UCPel Mais Saudável – A Universidade Católica de Pelotas está oferecendo orientação aos colaboradores dos campi e do hospital universitário que querem parar de fumar. Mais informações com Roni Quevedo: roni.quevedo@ucpel.edu.br
  • Liga da Proteção – A Associação Beneficente Síria, que desde 1918 se dedica a iniciativas filantrópicas, está promovendo ações de distribuição de equipamentos de proteção para hospitais públicos e máscaras caseiras, além de envio de respiradores e ampliação de UTIs do Hospital do Coração, em São Paulo. Mais informações: doações@ligadeprotecao.com.br
  • Mutirão do Bem-Viver - A ideia é a compra de alimentos agroecológicos, itens não perecíveis e de higiene para serem doados a comunidades em áreas de vulnerabilidade social. O Instagram do mutirão traz fotos de várias ações.
  • App contra a desinformação – O Voz das Comunidades está com um aplicativo voltado para veiculação de notícias sobre o novo coronavírus. A iniciativa é mais um esforço para combater a desinformação como uma forma de minimizar os impactos da pandemia nas comunidades em maior vulnerabilidade social.

 

Bocado

O Joio e o Trigo lançou, em julho,  Bocado - investigações comestíveis, uma rede de repórteres latino-americanos para a investigação de assuntos relacionados a alimentação. É uma iniciativa conjunta da página O Joio e O Trigo e da jornalista argentina Soledad Barruti. A intenção é criar e apoiar investigações em profundidade, com um forte caráter autoral, valorizando a capacidade de observação das e dos repórteres. 

Participam do consórcio veículos e jornalistas de toda a região, como Revista Anfíbia (Argentina), Pie de Página (México) e Contracorriente (Honduras). 

No segundo semestre, serão realizadas oficinas virtuais para quem se interesse pelo assunto. Acesse este formulário se tiver interesse em participar da rede e desses momentos de formação e troca.

A primeira série de reportagens, disponível em português e em castelhano, aborda estratégias corporativas e ameaças aos sistemas alimentares tradicionais em tempos de Covid-19.

Acompanhe as redes do Bocado:

 

Comer bem, comer mal

Outro lançamento de O Joio e O Trigo é a série Comer Bem, Comer Mal, que apresenta histórias contadas por movimentos, organizações e coletivos da sociedade civil que atuam há mais de quatro décadas no Brasil e outros que começaram, ou intensificaram as ações, na pandemia. Como os jornalistas definem, “são narrativas sobre ações de solidariedade que você não vai ver no Jornal Nacional”. 

A série, que tem apoio do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), estreou com uma reportagem do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, cuja campanha solidária já doou 2.300 toneladas desde o começo da pandemia. Também mostrou uma mesquita em plena favela em Embu das Artes, São Paulo, que reúne voluntários para preparar e distribuir comida de verdade para a comunidade.

A iniciativa Projeto São Paulo, por sua vez, mostrou onde falta e onde sobre comida saudável com quatro mapas, elaborados com informações públicas, traçando as características do ambiente alimentar da cidade. Uma das matérias, que fechou o mês de julho, mostrou a disponibilidade de alimentos in natura de acordo com o índice de desenvolvimento humano do bairro e que nem sempre ter mais dinheiro significa comer melhor. 

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ACT Legal

  • Vitória pela proibição de aditivos em produtos de tabaco

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, julgou no dia 22 de julho, por unanimidade, improcedente um recurso de empresa Cia. Sulamericana de Tabaco que questionava a proibição de aditivos de sabor e aroma em produtos fumígenos prevista na Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária 14/2012. 

No julgamento do processo, nº 1011722-04.2018.4.01.3400, o primeiro a ser apreciado pela Corte sobre o tema após a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2018 que confirmou a competência técnico-normativa da Anvisa, os desembargadores afirmaram que a restrição da resolução está abrangida no poder de regulamentar políticas públicas de saúde da agência reguladora.

A proibição de aditivos em produtos de tabaco prevista na RDC 14/2012 está sob judicialização desde a sua edição. Essa decisão faz avançar a efetivação da proibição dos aditivos em produtos de tabaco.

Entenda o caso

A competência da Anvisa para proibir o uso de aditivos de sabores e aromas foi confirmada, em 1o de fevereiro de 2018, por julgamento no Supremo Tribunal Federal, seis anos depois de publicada resolução que determinava o banimento dos aditivos. A votação acabou em empate, fazendo com que a indústria do tabaco não conseguisse o quórum mínimo de seis votos para que fosse declarada a inconstitucionalidade da norma. 

O empate, portanto, representava uma vitória para a resolução da Anvisa e, consequentemente, para a saúde pública. No entanto, no apagar das luzes da sessão, uma surpresa desagradável: a decisão foi declarada “não vinculante”, algo inédito no STF, o que abriu uma brecha para que as empresas de tabaco continuassem a tentar barrar a medida em outras instâncias. 

Como resultado, apesar da confirmação da medida pelo Supremo, até agora ela não entrou em vigor devido a liminares em outros processos em trâmite na justiça federal, para os quais a indústria continua apelando.

A decisão do Supremo e, agora, a decisão da 5a Turma, é uma vitória para a saúde pública, mas é inegável que a demora na efetivação da proibição traz enormes custos, já que os aditivos facilitam a iniciação ao tabagismo. Assim, o trabalho continua”, diz Mônica Andreis, diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde, que acompanha todos os processos e espera que as decisões continuem sendo favoráveis à saúde pública e que a medida entre em vigor assim que possível.

O uso de aditivos de sabores aumenta a atratividade e palatabilidade de produtos de fumo, induzindo mais pessoas ao tabagismo, em sua maioria crianças e adolescentes, e potencializa a ação da nicotina, substância que causa forte dependência. A proibição dos aditivos nos cigarros segue diretrizes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde pública promovido pela Organização Mundial da Saúde, da qual o Brasil faz parte.

  • Ação de ressarcimento aos cofres públicos pela indústria do tabaco

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitou recursos da Philip Morris e da Souza Cruz na ação proposta pela Advocacia Geral da União, em 2019, visando o ressarcimento dos cofres públicos pelos gastos com o tratamento de doenças causadas pelo consumo de cigarros. As empresas fabricantes buscaram invalidar a citação das controladoras, porém os desembargadores entenderam que o ordenamento jurídico não permite a defesa de direito de terceiros, além do fato de as matrizes já terem se manifestado no processo principal.

A ACT Promoção de Saúde saúda o ingresso do Ministério Público Federal na ação em trâmite na 1ª Vara Federal de Porto Alegre, que reconheceu a relevância do interesse público e social envolvido no caso. Para a ACT, a ação atende ao artigo 19 da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, que prevê que os países devem promover a responsabilização civil das empresas de tabaco, buscando inclusive a compensação.
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Notícias

Jovens adultos de 18 a 25 anos que fumam têm o dobro de chances de manifestar um quadro severo de covid-19 em comparação aos não fumantes da mesma idade. A conclusão consta de um estudo publicado na segunda-feira (13) na revista científica Journal of Adolescent Health por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

Os sistemas alimentares são essenciais para a atividade econômica, pois deles obtemos a energia necessária para viver e trabalhar. No entanto, eles ainda são ignorados por macroeconomistas, que acreditam que a indústria agroalimentar global, altamente mecanizada, subsidiada e concentrada, oferece tudo o que podemos desejar.

Trinta instituições ligadas à saúde pública assinaram o manifesto público “Mais recursos para a saúde e pelo fim dos benefícios fiscais à indústria das bebidas adoçadas”, proposto pela ACT Promoção da Saúde. A nota é uma ação de repúdio à alíquota do IPI para concentrados que, em junho, passou dos atuais 4% para 8% (Decreto nº 10.254/2020). 

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Boletim ACT 163

Diretoria: Paula Johns (Diretora Geral), Mônica Andreis (Diretora Executiva), Anna Monteiro (Diretora de Comunicação), Daniela Guedes (Diretora de Campanhas e Mobilização), Fabiana Fregona (Diretora Financeira), Adriana Carvalho (Diretora Jurídica)

Editoração: Anna Monteiro

Redação: Anna Monteiro, Rosa Mattos

Revisão: Juliana Cenoz Waetge

ACT Legal: Adriana Carvalho, Joana Cruz, Maria Paula Russo Riva

Mídias sociais: Victória Rabetim

Produção gráfica: Ronieri Gomes

 




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Um dos objetivos da ACT é consolidar uma rede formada por representantes da sociedade civil interessados em políticas públicas de promoção da saúde a fim de multiplicar a causa.


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