monitorACT - Junho

15.06.21


ACT Promoção da Saúde

 

Editorial

Todo o mundo tem lembranças das histórias infantis em que os personagens são animais bastante sábios e que, ao fim de sua jornada, nos dão lições que levamos para a nossa vida adulta. O texto que abre esse informativo, por exemplo, traz a pergunta: Por que a raposa não deve cuidar do galinheiro? As autoras usaram a fábula de La Fontaine para explicar o conflito de interesse evidente entre a nomeação de representantes de empresas de ultraprocessados para integrar órgãos responsáveis por políticas públicas. Afinal, são corporações que atuam de forma a minar políticas de alimentação, fazem uso indiscriminado e cada vez menos regulado de agrotóxicos, fertilizantes e transgênicos. Seus negócios muitas vezes acabam por promover concentração de terras e desmatamento e há denúncias de trabalho análogo à escravidão acontecendo entre seus terceirizados.

Já em O jogo oculto por trás do direito à alimentação de estudantes,  o que está em questão é a influência que criadores de suínos e de gado leiteiro estão exercendo sobre parlamentares, para incluir sua produção no programa nacional de alimentação escolar. A oferta de milhões de refeições diárias para os estudantes, somada à capilaridade do programa, faz com que tenha um enorme potencial para fomentar compras de alimentos nacionalmente, o que, por sua vez, coloca-o na mira do setor produtivo. Então, parlamentares ligados a este setor apresentam projetos de lei com determinações suficientes para alterar o marco legal do programa e ameaçá-lo. Quem nunca viu essa batalha entre Davi e Golias que atire a primeira pedra.

O movimento feminista capturado pelas empresas retoma um assunto já abordado em outras edições, o das causas sociais e ambientais servindo para melhorar a imagem bastante arranhada de determinadas empresas. No caso do feminismo, fabricantes de produtos que fazem mal à saúde apostam em aumentar suas vendas entre as mulheres, mas mantêm os velhos comportamentos machistas no dia-a-dia com suas funcionárias. É o velho caso do lobo vestindo a pele do cordeiro.

Por último, Próxima Estação: [Nome da sua empresa] abandona as fábulas e conta uma história real: a questão dos direitos do nome e o caso da estação de metrô que mudou sua identidade, no Rio de Janeiro. Depois de uma negociação da qual não se tem detalhes, a concessionária MetrôRio e a Coca-Cola fizeram um acordo e a empresa passou a nomear a estação onde fica sua sede brasileira, no tradicional bairro de Botafogo. Fundado no século 16, a história do bairro foi contada num tuíte delicioso do escritor Luiz Antonio Simas: “Em 1519, os portugueses construíram um barco de guerra denominado Galeão São João Batista. Com 800 peças de artilharia, o galeão parecia cuspir fogo pelas ventas e ficou conhecido pelo apelido de O Botafogo. O barco de guerra fez tanto sucesso que um fidalgo português resolveu dar ao filho o sobrenome”. João de Souza Pereira Botafogo, nascido em 1540, em uma cidade portuguesa, acabou vindo para a colônia como lugar-tenente do então governador-geral, nomeado em 1573 para defender a recém-fundada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. “Por desempenhar com sucesso a função, João Botafogo ganhou do rei uma sesmaria na Enseada de Francisco Velho, que passou a ser conhecida como a Praia do Botafogo”.  Agora, o tradicional bairro passa a ter uma estação com nome de uma bebida que causa sobrepeso e obesidade, contribuindo para várias outras doenças.

Para fechar, apresentamos nosso novo nome, que traduz de forma mais simples a missão que temos com esta newsletter:  ser o canal de monitoramento da ACT sobre as práticas das indústrias que causam danos à saúde, ao meio ambiente e ao planeta como um todo. 

Boa leitura do MonitorACT

Anna Monteiro

Diretora de Comunicação

 


 

Por que a raposa não deve cuidar do galinheiro?

Bruna Kulik Hassan, Camila Maranha e Paula Johns

 

A raposa cuidando do galinheiro!" | Espaço Vital

O ditado popular que alerta para o perigo de se dar o galinheiro para a raposa cuidar é muito conhecido e traz uma importante mensagem que remete ao problema do conflito de interesses. Sendo a raposa uma predadora nata das galinhas, por mais bem intencionada que ela seja, mais cedo ou mais tarde ela se aproveitará dessa posição de cuidadora para alcançar seu objetivo mais primitivo. Nessa situação o conflito é facilmente identificado: quando a raposa vira a cuidadora. Mas... E quando a raposa quer participar dos conselhos que vão orientar sobre os cuidados às galinhas? E no caso dela querer fazer apenas uma parceria para uma atividade educativa com o cuidador das galinhas? Por que não achar essas iniciativas boas, levando em conta o montante de recursos de que dispõe a raposa, ora?

Lamentavelmente, essa metáfora pode ser usada para iniciativas que têm sido adotadas pelas indústrias de alimentos e de bebidas para se aproximar de atores e políticas de alimentação e nutrição, como é o caso da recente candidatura e nomeação feita pelo governador de São Paulo João Doria, publicada no Diário Oficial do Estado em 8 de maio de 2021, aos cargos de presidência e a vice-presidência do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo  (Consea-SP),  à Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e à Sociedade Rural Brasileira (SRB), além da parceria da Coca-Cola com o Ministério da Saúde na campanha de vacinação para imunização contra a Covid-19.

Afinal, qual o problema de a Abia presidir o Consea-SP? Poderia ser um exagero da parte da sociedade civil, mas vamos imaginar um espaço que foi construído para possibilitar a participação da sociedade na formulação e monitoramento de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, dando voz àqueles que não têm tantos locais para expressar seus anseios e realidades, e que, no entanto, são os primeiros prejudicados quando uma política pública falha. Podemos continuar com a analogia do galinheiro, das galinhas e da raposa ou podemos renomear como Consea-SP, populações vulneráveis e representantes de movimentos sociais e aqueles que têm uma enorme e faminta fatia de poder ocupando este espaço de diálogo. Incluir a Abia no Consea-SP é ter atores poderosos do setor privado e com compromissos primários voltados aos interesses financeiros e comerciais, e não ao bem público. Colocar entidades que representam grandes poderes econômicos liderando o órgão compromete a capacidade de o conselho equilibrar as forças para se manifestar sobre temas de interesse da sociedade. Imaginemos, por exemplo, que desfecho teria nesse cenário se a proposta de ração humana não retornasse à pauta com essa composição.

A situação é tão problemática que uma carta de repúdio foi emitida por nada menos que a Comissão de Presidentes dos Conseas Estaduais (CPCE), em que afirmam não reconhecer a atual gestão do Consea-SP. Outras organizações e coletivos, como a Aliança Pela Alimentação Adequada e Saudável e a Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional também se manifestaram condenando a parceria entre o Governo do Estado de São Paulo e as grandes corporações. Além disso, em 5 de maio de 2021, diversos coletivos aderiram ao tuitaço da campanha #AbiaNoConseaNão, conforme informou matéria de O Joio e O TrigoInfelizmente, o apelo da sociedade civil não foi atendido. 

Um ponto importante a se observar é que as ações das empresas representadas por essas entidades vão no sentido oposto da centralidade das atividades do Consea, que visa garantir o direito humano à alimentação adequada no Brasil. Isso porque essas corporações são grandes produtoras e estimuladoras do consumo de produtos ultraprocessados, cujas evidências apontam crescente número de malefícios associados, que, por sua vez, colaboram com a insegurança alimentar e que o Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda evitar. A própria articulação da Abia para que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento sugerisse a revisão do Guia ao Ministério da Saúde, sem qualquer embasamento científico, conforme divulgado na reportagem do The Intercept, exemplifica o potencial impacto avassalador de tais entidades para o Consea. 

Essas corporações também atuam minando o potencial de construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, em função do uso indiscriminado e cada vez menos regulado de agrotóxicos, fertilizantes e transgênicos, bem como da promoção de conflitos, concentração de terras e desmatamento, fatores que vulnerabilizam cada vez mais as populações em situação de insegurança alimentar das cidades, do campo e das florestas. A carta da Aliança reforça que tais entidades “(…) não têm demonstrado comprometimento com as políticas públicas focadas em saúde. Desta forma, não podem ser  qualificadas como instituições que tenham uma contribuição pública na área de segurança alimentar  e nutricional.” Esse processo, portanto, aprofunda uma assimetria de poder que só beneficia aos interesses privados.

A esse processo se soma a falta de transparência, conforme informado na nota de repúdio da Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional:  

 

“Lamentavelmente, os agentes públicos, em articulação  com o setor empresarial, agiram para favorecer a inserção na lista tríplice para Presidente e Vice-presidente  das corporações. A metodologia deste processo foi inadequada e nada transparente, o que resultou em uma maior votação em representações da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) e da Sociedade Rural Brasileira (SRB), em detrimento de representantes da sociedade civil de interesse público como da agricultura familiar, do setor acadêmico, entre outros , e também as representações daqueles  diretamente atingidos pela insegurança alimentar como trabalhadores, povos e comunidades  tradicionais, população negra e mulheres. Estas representações são aquelas que historicamente representam a sociedade civil nos Conseas”.

 

Em relação ao outro exemplo citado sobre o problema da raposa ser parceira do dono do galinheiro, vale a pena refletirmos sobre o problema da Coca-Cola oferecer sua infraestrutura para apoiar o Ministério da Saúde na campanha de vacinação para imunização contra a Covid-19. Nesse caso, estamos falando de uma empresa que tem como produto carro chefe de vendas uma bebida açucarada e cujo consumo está associado a um maior risco de excesso de peso e de obesidade na infância e na vida adulta, entre outras doenças, e também a um maior risco de morte. A Coca-Cola vai se aproveitar dessa parceria para passar uma mensagem positiva para os seus consumidores, estimulando ainda mais o consumo dos produtos que comercializa. 

Há quem questione: Mas uma empresa tão grande e poderosa assim, será que precisa mesmo disso? Nesse caso vale mencionar aqui alguns dados recentes e importantes. Embora o valor global da marca tenha aumentado cerca de US$ 3 bilhões entre 2019 e 2020, desde 2015 ela dá sinais de estabilização (US$ 78.14 bilhões a US$ 84.02 bilhões). E isso nada se compara ao valor de sua marca, assustadoramente crescente nos anos anteriores (US$ 41.41 bilhões em 2006 para US$ 83.84 bilhões em 2014). A empresa está antenada de que a busca dos consumidores por alternativas mais saudáveis vem crescendo, sobretudo entre o público mais jovem e, no Brasil, em apenas dez anos, já é possível verificar queda de consumo importante de seu principal carro-chefe, bem como dos sucos artificiais que a marca produz. Além disso já se tem evidências sendo levantadas apontando que, quando os consumidores avaliam os produtos alimentícios comercializados por empresas com forte reputação de responsabilidade social corporativa, eles chegam a subestimar seu conteúdo calórico e escolhem mais essas opções. Parece assim ficar mais evidente porque a marca precisa se aliar a órgãos públicos de saúde que melhorem a sua imagem. 

Esta parceria lembra uma anterior, que aconteceu em 2011 envolvendo a rede McDonalds e o Ministério da Saúde, que implicava na veiculação de mensagens de promoção da saúde nas toalhas das bandejas da  rede. Esse episódio gerou ampla mobilização pela sociedade civil, encabeçado pela então Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos, que fez um abaixo-assinado e envolveu também uma carta de três grandes pesquisadores brasileiros direcionada ao Ministro da Saúde à época. Embora não tenha sido publicizada oficialmente a dissolução da parceria, dada a repercussão negativa da iniciativa, a logomarca do Ministério da Saúde sumiu das bandejas no mês seguinte da notícia da parceria.

Em ambos os casos as parcerias diretas com o Ministério da Saúde para campanhas informativas se relacionaram com  pandemias de saúde pública - a mais antiga para obesidade, e a mais recente, para Covid-19. Enquanto era claro o conflito da rede de fast food, no caso da empresa de refrigerantes a relação com seu problema para a saúde é menos explícita. Esses produtos estão envolvidos com a gênese da obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis, que por sua vez, aumentam o risco de morbimortalidade por Covid-19. E, infelizmente, mundo afora têm sido identificadas iniciativas de empresas que são apresentadas publicamente como contribuições aos esforços nacionais ou internacionais para combater a pandemia e apoiar as comunidades, mas que são projetadas para promover marcas, produtos e empresas cujos interesses econômicos frequentemente conflitam com os objetivos de saúde pública.

Em outras palavras, corporações transnacionais, particularmente aquelas cuja natureza do produto causa adoecimento e morte, precisam vender seus produtos e expandir mercados para garantir sua sustentabilidade financeira e gerar lucro para seus acionistas. A saúde pública necessita que menos pessoas consumam esses produtos para que tenhamos mais qualidade de vida por mais tempo. Está dado o conflito de interesses diametralmente oposto entre saúde pública e mais alimentos e bebidas ultraprocessadas. A falta de limites impostos a essas corporações gera aumento de lucro às custas da nossa saúde que, por sua vez, fomentam o ciclo vicioso de mais poder econômico que se traduz em poder político que determina as leis, ou falta delas, para impor os limites necessários a corporações que causam uma série de externalidades negativas, para uma sociedade mais solidária, saudável e sustentável. 

A liberdade de fazer leis deveria ser das pessoas, por meio de seus parlamentares eleitos. Muito vem sendo dito e documentado sobre a necessidade de mudanças sistêmicas e estruturais no mundo atual. Afinal, neste de produção e consumo, estamos consumindo 1,6 planetas Terra. Assim, debater governança e “denormalizar” as indústrias de ultraprocessados, a exemplo do que foi feito com a indústria do tabaco, é um passo fundamental para não permitir que a raposa fique encarregada de cuidar do galinheiro. 

 


 

O jogo oculto por trás do direito à alimentação  de estudantes

Kelly Alves e Priscila Diniz

 

Fruto de muita reivindicação e participação social na primeira década dos anos 2000, o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, criado nos anos 50, tem sido alvo frequente de empresas de produtos alimentícios, ávidas em vender sua produção. O programa passou por uma revisão profunda à luz da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Nesta recondução, entendeu-se que ele era uma garantia do direito à alimentação adequada dos estudantes. Este processo culminou com a promulgação da Lei 11.947, em 2009, que instituiu a universalidade do programa, com cobertura de toda a educação básica, incluindo o ensino médio e a educação de jovens e adultos, e a garantia do aporte nutricional mínimo das necessidades diárias dos estudantes de acordo com sua faixa etária e tempo de permanência na escola. Também definiu diretrizes nutricionais para aquisição dos alimentos, estabelecendo inclusive categorias de restrição e proibição de produtos alimentícios; a inclusão da educação alimentar e nutricional (EAN) nos currículos escolares; e a obrigatoriedade de que 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação (FNDE/MEC) às entidades executoras sejam gastos com a compra de alimentos produzidos diretamente pela agricultura familiar, privilegiando indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e assentados de reforma agrária.

Mais recentemente, a Resolução Nº 6 de 2020 do FNDE/MEC deu um novo passo para a qualificação das orientações nutricionais do PNAE ao adotar as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, com destaque para a restrição de alimentos ultraprocessados nos cardápios, para que a alimentação escolar coopere cada vez mais para a melhoria das condições alimentares e nutricionais dos estudantes. 

Este conjunto de mudanças ainda em curso no PNAE têm potencial para a garantia dos direitos à alimentação, à saúde e à educação aos estudantes e também para promoção do desenvolvimento econômico e social local, ao criar mercado institucional para a produção de alimentos dos agricultores familiares. A medida é capaz de conferir visibilidade ao segmento da agricultura familiar, ressaltando seu potencial de contribuir para o avanço das políticas de  segurança alimentar, além de promover a inclusão gradativa e a geração de renda para as famílias que vivem no campo, especialmente as de comunidades tradicionais, as quais são fortemente alijadas dos processos produtivos e de comercialização em razão da ausência de acesso às estruturas mínimas de produção e logística de escoamento.

O PNAE atende cerca de 41 milhões de estudantes de todas as fases da educação básica ofertada pelos 5.570 municípios, os 26 estados e o Distrito Federal. O orçamento destinado ao programa pelo FNDE/MEC é de cerca de R$ 4 bilhões por ano. Soma-se a este valor os recursos das próprias entidades executoras, correspondente ao investimento dos municípios, estados e do Distrito Federal para implementação do PNAE.  

A oferta de milhões de refeições diárias, somada à sua capilaridade territorial faz com que o Programa tenha  um grande potencial para fomentar compras de alimentos nacionalmente, o que, por sua vez, coloca-o na mira do setor produtivo de alimentos. Assim, o programa tem sido alvo de grupos representantes deste setor, a fim de alterar seu marco legal e tornar obrigatória a compra dos alimentos que produzem. 

São exemplos os projetos de lei que foram à discussão recentemente em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados,  em abril: o PL 3.292/2020, que determina que 40% dos recursos provenientes do FNDE gastos para compra de leite devem ser utilizados para compra de leite, e obteve votação favorável ao requerimento de urgência, seguindo para o Senado; e o PL 4.195/2012, que determina a obrigatoriedade de carne suína ao menos uma vez por semana no cardápio das escolas. 

Em ambos os casos notamos um cenário semelhante. De um lado, setores produtivos que estão enfrentando crises na comercialização, em parte devido ao alto custo dos insumos para alimentação animal, com o gado leiteiro e os suínos, alimentados com ração à base de farelos de soja e de milho, os quais, sendo commodities, têm suas cotações atreladas à alta do dólar, o que causa uma rápida elevação nos custos de produção e reduz, assim, a rentabilidade de seus produtores. Por outro lado, temos deputados federais acionados por entidades ou coletivos de produtores de seus estados ou regiões para criação de Frentes Parlamentares que os representam, e decidem ceder às pressões propondo projetos de lei.

 


 

    

 

 

 


 

A carne suína e leite já fazem parte do grupo de alimentos in natura e minimamente processados que são recomendados pelo Guia Alimentar, mas sua inclusão no cardápio deve seguir as diretrizes do programa, para atender às necessidades nutricionais dos estudantes, se estiver de acordo com a cultura alimentar deles, se houver disponibilidade física e financeira e se contribuir para o desenvolvimento local sustentável.  E este planejamento compete ao profissional nutricionista responsável técnico pelo programa nas entidades executoras, que deve elaborar os cardápios e acompanhar ativamente todos os processos necessários para sua execução nas unidades escolares. 

A alimentação adequada e saudável vai além da garantia do aporte de nutrientes. As refeições servidas nas escolas devem respeitar a cultura alimentar local, que inclui não só os tipos de alimentos, mas também suas formas de preparo e de consumo. Para pôr isso em prática, torna-se estratégico fomentar e garantir a compra de alimentos produzidos localmente, o mais próximo possível do território escolar. 

A aprovação de um projeto de lei com este tipo de proposição, sem dúvidas, abre precedentes para a aprovação de outros da mesma natureza.  Atualmente, existem outros 17 projetos apensados ao PL 4.195/2012, que pretendem alterar o PNAE conforme interesses diversos.

A sociedade civil está acompanhando essas questões por meio do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) que nos convida a não chorar pelo leite derramado. Em uma campanha nas redes sociais, atingimos muito rapidamente mais de 28 mil assinaturas contrárias demonstrando que a sociedade entende a importância dessa política pública já tão longeva e importante para nossa história de enfrentamento à fome. Ao mesmo tempo que convidamos os leitores a conhecer o PNAE de seu município e quem se beneficia dele, chamamos para compor conosco nessa luta em defesa da alimentação escolar de qualidade e livre de conflito de interesses. 

 

HISTÓRIA DO PNAE:

A construção de uma estratégia nacional de alimentação para os estudantes de escolas públicas brasileiras começou na segunda metade da década de 1950. Naquela época, a então chamada “Campanha Nacional de Merenda Escolar” deu início à história marcada, de um lado, pelo objetivo de garantir nutrição adequada aos estudantes, contribuindo para seu aprendizado e permanência nas escolas, e por outro, pela sua capacidade de contribuir para estratégias de desenvolvimento do setor produtivo de alimentos no país, sendo, consequentemente, um campo fértil para conflitos de interesses. 

Os alimentos servidos inicialmente aos estudantes eram doados pelo governo dos Estados Unidos ou por agências da Organização das Nações Unidas. Essa ajuda alimentar era parte do projeto econômico e ideológico norte-americano para ampliação do mercado internacional para seus produtos e de sua dominação sobre os países em desenvolvimento, em especial da América Latina,  no contexto da Guerra Fria. Os alimentos doados ao Brasil eram leite em pó desnatado, farinha de trigo e soja, que seguiam para a região nordeste, onde se concentrava grande parte das crianças desnutridas do país. 

A partir da década de 1960, mediante a diminuição das doações internacionais, o governo federal brasileiro iniciou a compra de produtos brasileiros para a alimentação escolar. Mas as compras centralizadas privilegiaram algumas poucas grandes empresas de alimentos industrializados que se firmavam no país. Pode-se dizer que os interesses dessas empresas foram influenciadores cruciais para o desenho inicial do programa e, por isso, elas foram grandemente favorecidas pela compra e distribuição de seus produtos alimentícios em todo o território nacional a partir da padronização dos cardápios das escolas. As sopas desidratadas e os formulados para mingau tinham presença marcante nas escolas. Não havia preocupação com a cultura alimentar ou com a aceitabilidade dos alimentos. 

Somente no final da década de 1980 teve início a descentralização dos recursos e a municipalização do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, assim chamado a partir de 1979, que se concretizou no final da década de 1990.  Como consequência, os municípios passaram a gerir a alimentação escolar, o que viabilizou o início da elaboração de cardápios compatíveis com os hábitos alimentares das comunidades locais e também a diversificação de suas preparações, valores fortemente relacionados à autonomia das entidades executoras com a finalidade de implementação de uma alimentação escolar mais adequada às particularidades regionais. 

 

 


 

O movimento feminista capturado pelas empresas  

Victória Rabetim e Mariana Pinho

 

A luta pelos direitos civis, entre eles o das mulheres, é um marco  importante, especialmente  nas sociedades machistas como a brasileira. Embora o planeta comemore o Dia Internacional das Mulheres em 8 de março, é preciso avançar por mais conquistas. As mulheres seguem tendo jornadas múltiplas para atender às demandas profissionais e domésticas, e estão menos representadas no Congresso Nacional e em cargos do Poder Executivo de qualquer ente federativo neste país.

Ano após ano, essa pauta vem ganhando terreno entre as próprias mulheres, mas também entre a sociedade e o ambiente corporativo. Escutar e identificar as demandas das mulheres, ter decisões tomadas por elas em favor delas são algumas etapas de projetos corporativos que carregam essa bandeira. Quando implementados com sucesso, todos ganham: as funcionárias satisfeitas e negócios prósperos. Assim, promover os direitos de suas colaboradoras é considerado uma boa prática empresarial.

O desenvolvimento do empoderamento feminino no meio corporativo é recomendado pela ONU-Mulheres desde 2010 e ganhou as ruas. O movimento prega que as mulheres devem tomar o poder de si, ter a consciência plena de suas capacidades e força e os locais de trabalho devem promover esse processo de dar poder às mulheres.

 

 

Postagens da Philip Morris destacando a figura feminina na empresa.

 

 

Postagens da BAT Brasil destacando figuras femininas na empresa, associando às palavras coragem e empoderamento 

 

E as empresas têm feito o dever de casa, muitas vezes com programas de responsabilidade social que são, como já mostramos em outras edições,  puro marketing. Fazem para alinhar seus discursos às recomendações de organismos internacionais. Alteram discursos para se encaixar à linguagem e formatos atuais. Ajustam programas corporativos para desenvolverem seus negócios e ampliarem o mercado. O mundo é machista e capitalista, não devemos nos deixar enganar.

 

  http://www.brandchannel.com/home/image.axd?picture=2014%2F2%2Fblu-ecig-560.jpg

 

Mulher vende produtos e promove empresas, muitas das vezes, a um alto custo e involuntariamente para suas vidas. A STOP Initiative, um observatório das práticas da indústria do tabaco, desenvolveu um material específico intitulado Mulheres e Indústrias do tabaco, mostrando como as empresas do setor usam a imagem de mulheres. E aqui, o verbo é usar mesmo. Sempre fomos e continuamos a ser alvo e objeto das campanhas publicitárias e adoecemos mais por exposição passiva à fumaça ambiental dos cigarros em casa. 

 

Misses em Manchete: Miss e Propaganda Virginia Slims Cashes in on Women's Lib, Declaring: 'You've Come a Long  Way, Baby' - 4A's O Importante é Ter Charme! – Memória da Propaganda

 

O documento da STOP comenta ainda que fumar aumenta a probabilidade do empobrecimento, o que alimenta violência doméstica, especialmente contra as mulheres. E esse foi justamente o tema da campanha apoiada pela Philip Morris Brasil em parceria com a prefeitura de São Paulo durante a pandemia: Fique em casa mas não sofra em casa. A cidade parece mesmo estar fechada com a empresa. A ACT noticiou no último Boletim que, em 2020, a prefeitura premiou o programa intitulado Empow#her, “que tem o objetivo de ampliar e reconhecer a liderança feminina dentro da organização, e Stripes Brasil, voltado à diversidade e destinado à garantia de direitos aos profissionais LGBTI+”.

 

 

O Instituto mantido pela concorrente BAT Brasil tem um programa voltado para jovens de 18 a 35 anos e desenvolve projetos diversos, sendo alguns específicos para mulheres. Já a Japan Tobacco International, que no primeiro ano da pandemia teve as vendas aumentadas em 30% no Brasil, patrocinou o encontro intermunicipal de mulheres agricultoras na região sul, notadamente a principal produtora de tabaco.

Outro setor que promove uma série de iniciativas supostamente feministas, mas de caráter mercadológico, é o agropecuário. São eventos, prêmios e artigos que maquiam o empoderamento feminino para gerar lucro.

Prêmio Mulheres do Agro é um exemplo. De acordo com informações divulgadas, pretende incentivar a participação feminina no agro, disseminar boas práticas e reconhecer a contribuição da mulher nas atividades agropecuárias. O portal Agrosaber, agência de notícias do setor,  iniciativa conjunta entre a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) e a Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro), desenvolveu uma série de reportagens intitulada “Mulheres do Agro” ao longo de março de 2021. Curioso ver que o  portal explicita sua missão como sendo a defesa do projeto de lei 6299/02, conhecido como PL do Veneno, que flexibiliza o rito de aprovação de agrotóxicos. 

Mudando para o setor de bebidas alcoólicas, outra empresa que vem investindo no campo feminino como forma de trabalhar a imagem de sua marca é a Ambev. Com base no resultado de pesquisa das palavras “cervejeira” e “cervejeiro” em mecanismos de busca, que deixava claro a desigualdade de gênero, a empresa produziu uma campanha focada em mulheres profissionais do setor de cerveja. A ação foi produzida por uma equipe majoritariamente feminina e possuía um manifesto para levantar o debate sobre o tema.

 

 

A filósofa Nancy Fraser, da escola de pensamento conhecida como Teoria Crítica, define o feminismo como “um movimento que começou como uma crítica da exploração capitalista, e terminou contribuindo para ideias-chave de sua mais recente fase neoliberal”.  

As empresas tentam se aproveitar de causas sociais usando-as como ações de responsabilidade social corporativa, que embora seja um conceito simpático e que visa estimular o desenvolvimento social, nestes casos buscam promover as empresas através de do chamado branding, que se refere à gestão da identidade da marca e às ideias associadas a ela.

No dia-a-dia, continuamos vendo ações opressoras no ambiente de trabalho de muitas empresas, como assédio sexual e moral, além de práticas machistas de mansplaining, quando o homem  explica coisas óbvias à mulher, na maioria das vezes em tom paternalistas, como se ela não fosse capaz de entender, ou manterrupting, a forma mais comum em reuniões e palestras, quando o homem interrompe uma mulher no meio de sua fala. Também vivenciamos o gaslighting, quando o homem distorce, omite ou cria informações, fazendo com que a mulher duvide de si mesma, e o bropriating, quando um homem rouba uma ideia ou um argumento de uma mulher e age como se fosse dele, entre outros.  

Portanto, é mais que necessário resgatar a luta por equidade de gênero sem cair nessas supostas boas intenções para ganhar likes nas redes sociais em campanhas de empoderamento feminino.  

 


 

Próxima Estação:  [Nome da sua empresa]

Laura Cury, Ladyane Souza e Marília Albiero

 

 

 

Aos 40 anos de idade, a estação do metrô de Botafogo, um dos bairros mais antigos do Rio de Janeiro, acabou de ser rebatizada de Botafogo-Coca-Cola. A mudança no nome foi estampada nas entradas da estação e também nas placas e mapas da cidade, e foi acompanhada ainda dos avisos sonoros da marca nos trens, já que o nome da empresa passou a ser anunciado pelos alto-falantes conforme os vagões se aproximam da parada designada. 

Tamanha alteração ocorreu a partir da venda dos chamados naming rights, ou direitos de nome, em português, da estação pela empresa concessionária do serviço público que opera o transporte metroviário, a MetrôRio. No Brasil, essa alternativa de marketing é comum em casas de espetáculos culturais e estádios de futebol, mas ainda pouco utilizada em espaços do poder público. A justificativa dada pela MetrôRio para a operação foi a de que, para enfrentar a crise econômica, a venda dos direitos de nome foi a maneira encontrada para se arrecadar receitas complementares. 

Quando questionadas pela ACT, via Lei de Acesso à Informação e SAC, tanto a empresa MetrôRio quanto a Coca-Cola, e mesmo a agência estatal que fiscaliza os contratos públicos do metrô, a Agetransp (Agência Reguladora de Transportes Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias), não souberam - ou não quiseram - responder qual o valor do contrato, a existência ou não de licitação ou se de fato há algum benefício revertido para os usuários. Sabemos que em outros países esse tipo de contrato passa por uma seleção competitiva e chega a arrecadar o equivalente entre R$ R$  25 milhões  ao ano.  

 

A concessionária MetrôRio já havia tentado, em 2013, alterar os nomes das estações do metrô da capital fluminense por meio de concessão dos direitos de nome das plataformas a empresas, mas o então governador Sérgio Cabral vetou a mudança, de acordo com reportagem da época. Essa informação reforça o argumento jurídico de que falta competência legal da empresa concessionária para ceder direito de denominação de logradouro público. 

O nome de uma estação deve servir para orientar o usuário do transporte público sobre a sua localização, trajeto a ser percorrido e destino, permitindo, ainda, o reconhecimento do seu entorno. Renomear estações com marcas constitui maneira de injetar o mercado em novas esferas da sociedade. Geógrafos urbanos usam o termo “mercantilização toponímica” para essa reformulação da marca privada do espaço público. Em Washington, DC, essa discussão ocorreu em 2019, quando a empresa responsável pelo metrô da capital americana tentou captar recursos com a cessão do nome das estações e sofreu forte repúdio da população. 

Há cidades que estabelecem restrições aos tipos de negócios que podem ser apresentados. É o caso de Boston, onde a Massachusetts Bay Transportation Authority (MBTA) não considera propostas de empresas de “conteúdo adulto” ou de armas, partidos políticos, nomes de família, grupos religiosos ou marcas de álcool e tabaco em seus transportes, incluindo estações.

A falta de distinção entre o que é público e o que é privado constitui problema. O Estado  e os serviços fornecidos são públicos, o que leva à famosa expressão latina res publica, significando a coisa do povo. Assim, portanto, devem servir à população. É função do Estado, por exemplo, fornecer transporte público. Nesse sentido, ao vender nome de estações para empresas, pode-se passar a impressão de que corporações foram responsáveis ​​pela construção dessas estruturas, que são de fato financiadas publicamente, por meio dos tributos coletados. A venda dos direitos de nome corrói o compromisso do setor público com o fornecimento de um serviço básico e equitativo a sua população.

Assim, este é um tipo de tema que aponta para a necessidade de um amplo debate público e legislativo. Outras capitais brasileiras já anunciaram que pretendem seguir a ação da MetrôRio, como é o caso de São Paulo, cidade na qual a previsão é de que as estações sejam rebatizadas pelas marcas por um período de 20 anos.

Vale ressaltar que a população diariamente lida com um excesso de publicidade: nos outdoors, nas placas comerciais, no rádio e na televisão, nas mídias sociais No Brasil, é importante lembrar que o Código de Defesa do Consumidor, nos  artigos 36 e 37, proíbe a publicidade disfarçada e ainda protege os consumidores da propaganda que desrespeita valores ambientais, considerada abusiva. Ao renomear um espaço urbano como a estação  Botafogo de Coca-Cola, a MetrôRio está permitindo que uma parcela considerável de seus mais de  118 mil passageiros diários, de acordo com o Data Rio, estejam sendo expostos à marca.

 

Estação Botafogo/Coca-Cola

 

A justificativa dada pela MetrôRio ao vender direitos de nome à Coca Cola pode parecer, à primeira vista, um tanto óbvia: arrecadar dinheiro, especialmente com a crise desencadeada pela pandemia da Covid-19, que fez cair o número de passageiros. Mas há outros custos incluídos na operação. Ao fazer o namewashing, expressão que significa lavagem de nomes para melhorar a imagem, a concessionária e a empresa anunciante apagam a história do local, diminuem as qualidades que definem o local ou o bairro, minam  o poder público, e não contribuem para a questão que o produto anunciante gera. Afinal, neste caso, as bebidas adoçadas têm relação com sobrepeso e obesidade, que por sua vez geram outras doenças, e já são reconhecidas pela ciência.  

A discussão sobre direitos de marca já mereceu até uma esquete, evidentemente bem-humorada, do Porta dos Fundos. 

O fato é que não queremos uma sociedade em que o espaço público tenha nome de marcas privadas, muito menos as que causam danos à população. No mínimo, devem ser impostas restrições à compra dos direitos às empresas que causam os mais diversos tipos de danos ao meio ambiente e à saúde. No caso carioca, qual será a próxima parada? Imagina a Presidente Vargas passar a se chamar estação Souza Cruz ou BAT, já que é próxima da sede da empresa? Ou em um distópico exemplo paulistano, poderemos pensar uma estação Cambuci-Ambev ou Pinheiros-Monsanto?

 


 

 

Revisão e edição: Anna Monteiro

Arte: Ronieri Gomes

 

Equipe de monitoramento

 

Anna Monteiro

Bruna Hassan

Camila Maranha

Denise Simões

Fabiana Fregona

Laura Cury

Mariana Pinho

Marília Albiero

Victoria Rabetim

 




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