Quem ganha com os incentivos fiscais?

16.06.21


Folha de São Paulo

O Brasil atravessa um dos momentos mais dramáticos de sua história. A pandemia de Covid-19, que já tirou a vida de mais de 468 mil brasileiras e brasileiros, agravou e escancarou nossa histórica desigualdade social, produzindo um quadro desolador, em que mais da metade da população sofre de insegurança alimentar e mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas.

Some-se a isso a piora da situação fiscal, resultante do necessário enfrentamento à pandemia, que legará ao Estado brasileiro enormes dificuldades de investimentos sociais —e estes serão fundamentais para que o país possa se reerguer, garantindo condições mínimas de dignidade aos grupos mais vulneráveis.

Benefícios fiscais
Benefícios fiscaisBenefícios fiscais

Nesse contexto, é urgente e oportuna a discussão sobre os incentivos fiscais concedidos pelo governo federal a empresas, instituições e pessoas físicas. No caso de isenção a uma empresa ou a um determinado setor, o governo abre mão de recursos que poderiam ser aplicados em políticas públicas que beneficiariam diretamente a população na expectativa de que tal medida possa incentivar o crescimento econômico e gerar empregos.

No Brasil, esses incentivos fiscais chegam a R$ 300 bilhões todos os anos, quantia correspondente a cerca de 5% do nosso PIB ou 20% de tudo o que arrecadamos. Isso equivale a 11,5 vezes o valor do Bolsa Família ou praticamente o total gasto com o pagamento do auxílio emergencial para enfrentar a pandemia em 2020. É mais que o governo federal gasta com saúde e educação somados. Quase 75% desses incentivos não possuem prazo para expirar. E esse valor ainda é subestimado, pois não leva em conta incentivos de outras esferas federativas nem outros tipos de incentivos fiscais cuja mensuração pela Receita Federal é imprecisa.

Particularmente preocupante é que, muitas vezes, tais incentivos levam ao desfinanciamento de políticas sociais, como as do tripé de nossa seguridade social: saúde, Previdência e assistência social, que são penalizadas toda vez que o governo federal fornece redução do Pis/Cofins. Também alarmante é quando esses incentivos são dirigidos a atividades com impactos negativos na saúde e no meio ambiente, como os R$ 4 bilhões concedidos à indústria de refrigerantes, o R$ 1,7 bilhão destinado aos agrotóxicos ou os R$ 28 bilhões direcionados à produção de petróleo e gás anualmente.

Programas de subsídio ineficazes
Programas de subsídio ineficazesProgramas de subsídio ineficazes

Um volume de recursos dessa magnitude transferido pelo Estado ao setor privado, muitas vezes aplicados em atividades que são prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social do país, precisa ser monitorado e avaliado de forma criteriosa e participativa. Isso não acontece hoje. Não sabemos quem recebe esses incentivos e quais os valores recebidos por eles. Por isso, as organizações da sociedade civil abaixo assinadas se uniram para jogar luz sobre essa questão.

É com transparência que conseguiremos fazer um debate mais aprofundado do tema. Sem acesso a tais informações, governo e sociedade ficam no escuro para avaliar se os benefícios concedidos às empresas têm tido retornos positivos e transformado a realidade. Enquanto os dados sobre quem recebe e qual é o valor destinado ficarem em segredo, não é possível dizer se essa política promove o desenvolvimento ou reforça as desigualdades.

Agenda liberal de Guedes em xeque
Agenda liberal de Guedes em xequeAgenda liberal de Guedes em xeque

Há, no contexto atual, oportunidades de mudanças: 1 - no âmbito da reforma tributária, cujas discussões foram retomadas; 2 - na esteira da já aprovada PEC Emergencial, que determina a redução gradual de alguns incentivos; e 3 - por meio do projeto de lei complementar 162/2019, que propõe a transparência nos incentivos fiscais para pessoas jurídicas e está na última comissão da Câmara após já ter sido aprovado no Senado. Ao mirar a revisão de privilégios e a equidade econômica, esta pauta tem o potencial de unir esquerda e direita na construção de um Estado mais justo e eficiente.

Para que o país possa se reconstruir, com capacidade de investimento para promover o desenvolvimento sustentável e o enfrentamento às desigualdades, é fundamental e urgente que nossas atenções se voltem aos incentivos fiscais. Só poderemos avaliar criteriosamente onde o Estado deve aplicar seus recursos quando tivermos acesso completo a essas informações. E o primeiro passo para isso é exigir do governo federal a transparência na concessão desses incentivos.

Juliana Acosta
Enfermeira e integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Laila Bellix
Gestora de políticas públicas e estrategista na Purpose Brasil

Livi Gerbase
Assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Marcello Baird
Cientista político e coordenador de advocacy na ACT Promoção da Saúde

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​​

 

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/06/quem-ganha-com-os-incentivos-fiscais.shtml




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