Um cigarro por dia traz riscos ao coração, diz estudo

25.01.18


O Globo

Reduzir o número de cigarros é uma estratégia comum entre os que tentam largar o vício para diminuir os danos à saúde mas a matemática não faz tanto sentido quando o assunto é tabaco. Um estudo publicado nesta quarta-feira na “BMJ”, revista científica da Associação Médica Britânica, revela que pessoas que fumam apenas um cigarro por dia têm quase a metade do risco de sofrer com doenças cardiovasculares em comparação com quem fuma 20 cigarros diários. Para derrames, o risco também é bem acima dos 5% esperados pela aritmética.

Isso provavelmente é uma surpresa para muitos fumantes, mas há mecanismos biológicos que explicam o alto risco associado a um baixo número de cigarros — afirma Allan Hackshaw, um dos autores da pesquisa, do Cancer Institute, da Universidade College London. — Nosso sistema cardiovascular é muito sensível à fumaça do tabaco quando a respiramos, ainda que seja uma pequena quantidade. Ela afeta diretamente, por exemplo, a capacidade do sangue de transportar oxigênio.

Os pesquisadores analisaram dados de 141 estudos sobre o tema para estimar os riscos associados ao cigarro de quem fuma um, cinco ou 20 cigarros por dia. Os resultados mostram que, para doença arterial coronariana, homens que fumam um cigarro têm 46% do risco do consumo de 20 cigarros. E para acidentes vasculares cerebrais (AVC), o percentual é de 41%.

Entre as mulheres, aquelas que fumam um cigarro por dia têm 31% do risco adicional associado ao tabaco para doença arterial coronariana de quem fuma 20 cigarros. E, para derrames cerebrais, 34%.

Em comparação com não fumantes, entre homens, apenas um cigarro por dia aumenta em 48% o risco de doenças cardíacas e em 25% o de derrames. Para as mulheres, o risco aumenta em 31% para doença arterial coronariana e em 34% para AVCs.

— Essas diferenças de riscos entre homens e mulheres é que ainda não são muito claras. Há pesquisadores que acham que são mecanismos biológicos diferentes, outros acreditam que seja algo ligado ao estilo de vida, de coisas que as mulheres fazem e os homens, não — explica Hackshaw.

‘Não é como álcool’

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem no mundo mais de 1 bilhão de fumantes, principalmente em países pobres e em desenvolvimento. O tabaco está relacionado com a morte de 7 milhões de pessoas por ano, sendo 890 mil pelo fumo passivo. Mas, graças a campanhas educativas e políticas públicas, o número de fumantes vem caindo nos últimos anos. No Brasil, por exemplo, o percentual caiu de 29% para 12% entre os anos de 1990 e 2015.

Entre os fumantes, no entanto, existe a percepção de que reduzir o número de cigarros por dia é suficiente para minimizar os danos à saúde. Segundo Breno Caiafa, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro, é muito comum ouvir esse relato de pacientes.

— Em pacientes que diminuem, as doenças continuam acontecendo, mesmo aquelas que são totalmente relacionadas ao cigarro — observa o cirurgião. — Na prática, o que a gente nota é que a redução não impede a progressão de doenças cardiovasculares.

Em relação ao câncer, Hackshaw explica que o cenário é diferente. Ao contrário do que acontece com as doenças cardiovasculares, em que o recomendável é cortar o cigarro por completo, a redução faz uma grande diferença para o câncer de pulmão, por exemplo:

— Os mecanismos dessas doenças são diferentes. Reduzir não funciona para evitar problemas no coração, mas é recomendável para diminuir o risco de câncer de pulmão.

Um estudo realizado ano passado com quase 25 mil adolescentes americanos mostrou que 10% dos entrevistados acreditavam que o fumo moderado não provocava danos à saúde, e apenas 35% dos fumantes moderados consideravam que o hábito estava associado a “muitos danos”. Apesar da queda no número de pessoas que fumam, os EUA viram a taxa dos que consomem até cinco cigarros por dia aumentar de 16% para 27% do total de fumantes, entre 2005 e 2014.

— O cigarro não é como o álcool, cujo consumo moderado pode até ser benéfico — pontua Viviane Belidio, diretora da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro. — Qualquer nível de consumo é realmente perigoso.

No entanto, os especialistas destacam que a redução gradual pode ser uma estratégia importante para que o fumante abandone o vício. E o menor número de cigarros consumidos tem impacto sobre a carga tabágica (volume acumulado de cigarros fumados ao longo da vida), que influencia os riscos de desenvolvimento de câncer e doenças pulmonares.

— Reduzir o número de cigarros não é ruim, é um primeiro passo. Isso reduz a carga tabágica, que aumenta os riscos de câncer e doenças pulmonares — avaliou Viviane. — Mas esse estudo mostra que os fumantes não devem ficar satisfeitos apenas por reduzir a quantidade, pois continuam com o risco cardiovascular aumentado.

A secretária Fernanda Porto, de 40 anos, fuma desde os 14. Atualmente, consome um maço por dia, mas já fumou três, antes de tentar diminuir. Entre idas e vindas, ela tenta, mas ainda não conseguiu abandonar o vício.

— Eu parei durante cinco anos por conta da gravidez e da amamentação e me senti muito bem. Mas depois retornei, na época em que me divorciei. Foi por uma questão emocional, como uma válvula de escape e aí o gosto pelo cigarro voltou. Infelizmente, já tentei tratamentos, mas consegui ficar apenas três dias sem fumar — conta Fernanda, que teve que ser operada em 2010 por conta de uma gastrite ocasionada, entre outros fatores, pelo tabagismo. — O cigarro é a pior droga que existe.




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